Mexilhões entopem os canos de Londres, mas uma designer achou a solução

Estudante da Central Saint Martins desenvolveu ladrilhos de biovidro feitos a partir de conchas de mexilhões quagga

Crédito: Sophie Maccorquodale/ Bureau de Change

Elissaveta M. Brandon 3 minutos de leitura

Cerca de oito anos atrás, uma espécie invasora chamada mexilhão quagga começou a entupir os canos de água e os túneis subterrâneos de Londres. Desde então, a Thames Water, empresa de serviços públicos responsável pelo abastecimento de água e pelo tratamento do esgoto, tem gasto milhões para removê-los. A maioria das conchas que restam dessa praga vão parar em aterros sanitários. Mas, dentro de alguns anos, elas poderão ser vistas nas paredes dos prédios – embora de forma modificada.

Crédito: Patrick Seeger/ Picture Alliance/ GettyImages

Lulu Harrison, estudante de mestrado na Central Saint Martins University, em Londres, criou um biovidro usando conchas moídas de mexilhões quagga. O material foi exibido recentemente durante a London Craft Week.

A designer se uniu ao estúdio de arquitetura local Bureau de Change para desenvolver uma série de azulejos de vidro texturizados, inspirados nos padrões das chaminés de terracota do século XIX.

Pode levar anos até que esse novo vidro seja comercialmente viável. Mas, se ele chegar lá, vai se tornar um raro exemplo de material de construção sustentável ​​que também é translúcido.

Créditos: Bureau de Change

Um vidro tradicional é feito com 70% de areia de sílica altamente pura, carbonato de sódio (que ajuda a diminuir o ponto de fusão da sílica) e calcário (que atua como estabilizador). O vidro é um material infinitamente reciclável, mas a mineração da areia usada para fabricá-lo pode corroer rios e perturbar os ecossistemas.

Harrison conta que sua versão foi inspirada em antigas receitas de fabricação de vidro. No espírito de “celebrar as impurezas”, ela usou principalmente areia comum disponível ao redor do rio Tâmisa, cerca de 15% a 20% de conchas de mexilhão com um pouco de carbonato de sódio e cinzas de madeira de origem local, que ela espera possam substituir inteiramente o carbonato de sódio.

O resultado é algo que ela chama de “vidro geo-específico”, uma abordagem que pode ser usada em outras regiões para incorporar recursos locais e, assim, ajudar a reduzir os custos de transporte.

A fabricação das telhas envolveu uma “etapa de processamento vigoroso” que consiste em lavar os materiais coletados, deixá-los secar ao sol, depois moê-los e peneirá-los até a gramatura de pó fino, que parece farinha.

A mistura é então processada usando uma técnica antiga chamada fritting, que envolve derreter o vidro, mergulhá-lo em água fria até que se quebre em pequenos grânulos e depois derretê-lo novamente.

Por fim, o vidro derretido é despejado em moldes impressos em 3D do tamanho de uma folha de papel e fica esfriando lentamente, para não rachar.

Os primeiros experimentos de Harrison resultaram em uma série de vasos e garrafas de vidro soprado. Mas, para a exposição, que teve curadoria do estúdio de design Here, ela fez uma parceria com o Bureau de Change e o material foi transformado em meia dúzia de ladrilhos do tamanho de uma folha de papel. Estes foram exibidos em vitrines individuais. 

De acordo com Katerina Dionysopoulou, cofundadora do Bureau de Change, a natureza texturizada dos azulejos poderia tornar o revestimento arquitetônico muito mais interessante – especialmente se a equipe se afastasse dos azulejos e encontrasse uma maneira de derramar o vidro em moldes maiores.

Ela aposta que os azulejos também podem abrir um novo mundo de materiais translúcidos de base biológica. “Existem tantas alternativas ecológicas para materiais sólidos, mas não há nada para superfícies transparentes”, afirma.

É claro que, antes de serem considerados seguros de acordo com a legislação, os materiais arquitetônicos precisam aderir a uma enorme quantidade de regulamentos sobre durabilidade e segurança contra incêndios.

Esse processo requer testes demorados e certificações caras, que podem variar de um país para outro. “Mas, como pudemos observar no caso da vacina para Covid-19, se as empresas de P&D trabalharem juntas, as coisas podem acontecer muito mais rápido”, sugere Dionysopoulou.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais