O lado sombrio das ações de embelezamento dos espaços urbanos

Como a promessa de melhorar espaços públicos pode torná-los mais excludentes

Crédito: Pawel Nolbert/ Unsplash

Jose Antonio Lara-Hernandez 4 minutos de leitura

As campanhas de embelezamento urbano costumam ser vendidas aos moradores como formas de melhorar seu dia a dia. Elementos de design – de sistemas de iluminação a placas, bancos, postes, fontes, canteiros e às vezes até equipamentos de vigilância – são usados ​​para reformar e embelezar os espaços públicos.

Os designers se referem a esses elementos como “mobiliário urbano”. Os projetos em que são usados visam aumentar a interação social, reforçar a segurança, melhorar a acessibilidade e, em geral, elevar a qualidade de vida na cidade.

Algumas pesquisas indicam, no entanto, que tais projetos podem resultar em espaços públicos urbanos cada vez mais excludentes. Apesar das promessas com que são vendidos, se esses planos desconsiderarem o que a população local de fato precisa, os moradores tendem a  se sentir menos aptos ou dispostos a fazer uso desses espaços.

Uma cidade não é feita apenas de monumentos ou edifícios emblemáticos. O espaço urbano é onde as crianças aprendem e brincam, onde os alunos leem e as pessoas trabalham, caminham e relaxam. É graças a essas diferentes atividades que a cultura de qualquer cidade é criada.

Arquitetos e designers configuram cuidadosamente o ambiente construído – o tecido de nossas cidades – e isso tem um efeito duradouro em como os usamos ou habitamos. Pelo mundo afora, pesquisas têm mostrado que a transformação dos espaços públicos afeta a diversidade do que as pessoas fazem neles e se são usados ou não.

PONTOS DE SOCIALIZAÇÃO

Em Argel, capital da Argélia, os bairros foram projetados na década de 1970 seguindo um rígido estilo modernista. Elementos de design – árvores frondosas, bancos e luzes à noite – faziam as pessoas se sentirem à vontade para realizar atividades como jogar cartas ou se reunir para conversar.

pesquisas têm mostrado que a transformação dos espaços públicos afeta a diversidade do que as pessoas fazem neles e se são usados ou não.

Mas os edifícios enormes, as ruas largas e os grandes espaços também faziam com que as pessoas se sentissem inseguras e perdidas.

Mais tarde, Argel foi redesenhada de forma homogênea e simétrica, característica de outras grandes cidades como Los Angeles e Sydney. Esses projetos em grande escala e não contextuais também têm sido associados ao comportamento antissocial.

Pesquisa realizada no bairro histórico de Alameda Central Park, na Cidade do México, destaca padrões semelhantes de exclusão causados ​​pela forma como um bairro foi redesenhado.

Depois que a área foi transformada, em 2013, houve um declínio notável na diversidade das atividades que as pessoas realizavam (reuniões familiares e religiosas, arte de rua, música e vendedores informais).

Em vez disso, a lei agora prioriza a atividade turística sobre as necessidades cotidianas da população local, permitindo que as autoridades adotem uma abordagem de tolerância zero em relação a qualquer coisa considerada perturbadora. Os vendedores se tornaram nômades, fazendo as malas e se escondendo assim que a polícia aparece.

COMO AS CIDADES SÃO COCRIADAS

Em “O Direito à Cidade”, de 1968, o filósofo e sociólogo marxista francês Henri Lefebvre descreve a cidade como um espaço cocriado. Essa visão contrasta com a definição mais capitalista na qual o espaço urbano é uma mercadoria a ser comprada e vendida. Lefebvre via a cidade como um local de encontro, onde os cidadãos construíam coletivamente a vida urbana.

Essa ideia de que o espaço público é um bem público e de que ele pertence a todos tem sido cada vez mais contestada nos últimos anos, inclusive com o surgimento dos “espaços públicos de propriedade privada”.

A maioria dos parques em Londres pertence à City of London Corporation, o órgão municipal que governa a cidade. Mas, cada vez mais, as praças dentro dos novos empreendimentos são de propriedade de corporações.

A ideia de que o espaço público é um bem público que pertence a todos tem sido cada vez mais contestada nos últimos anos.

Há muito tempo que os especialistas vêm notando a conexão entre como uma cidade é projetada e como a vida é conduzida dentro dela. A estudiosa Jane Jacobs é famosa por defender que as cidades falham quando não são projetadas para todos.

Já a produção do arquiteto dinamarquês Jan Gehl tem focado consistentemente no que ele chamou de “vida entre edifícios”. Segundo ele, para uma cidade ser boa para seus moradores, os responsáveis ​​por projetá-la precisam estar cientes de como ela está sendo usada e o que as pessoas estão fazendo em seus espaços.

Para serem bem-sucedidos, os projetos urbanos precisam ser focados e voltados para a vida cotidiana dos seus habitantes. Projetar uma cidade para pedestres – em uma escala “caminhável” – é a solução para torná-la saudável, sustentável, animada e atraente. acredita Gehl.

Quando usamos espaços públicos, mesmo que rapidamente, estamos efetivamente nos apropriando deles. Urbanistas e arquitetos falam em “apropriação temporária” para descrever as atividades individuais ou em grupo com as quais investimos esses espaços.

A pesquisa destacou o quão democrático esse uso pode ser. Mas isso vai depender de que os espaços sejam planejados em conjunto com os moradores.

Desde a década de 1970, os teóricos urbanos destacam que só fazemos uso dos espaços públicos onde nos sentimos representados. Para que o desenho urbano funcione, é crucial prestar atenção ao que realmente pensam aqueles que moram na cidade.


SOBRE O AUTOR

Jose Antonio Lara-Hernandez é pesquisador sênior em arquitetura na Universidade de Portsmouth. saiba mais