O novo artifício do streaming para nos manter mais tempo de olho na tela

Filmes como "Austrália" e "BlackBerry" criam um novo público depois de serem relançados em episódios curtos

Créditos: Max Harlynking/ Unsplash/ KoolShooters/ Pexels

Saleah Blancaflor 4 minutos de leitura

Nossa capacidade de manter a atenção continua diminuindo, e as empresas de streaming parecem ter se dado conta disso. Várias plataformas têm experimentado maneiras diferentes de lançar sua programação, e algumas estão tentando uma nova estratégia: recortar filmes lançados anteriormente, transformando-os em vários episódios mais curtos. 

Há várias razões pelas quais os serviços de streaming estão brincando com esse modelo. Em uma época em que nossas vidas estão mais ocupadas do que nunca, os consumidores acham mais fácil assistir a 13 horas de conteúdo em intervalos de 30 minutos ou de uma hora, em vez de parar para assistir a um filme por duas ou três horas seguidas. 

Pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que as gerações mais jovens preferem assistir a filmes e programas de TV mais curtos. Boa parte está assistindo a pequenos trechos de séries e filmes em plataformas de mídia social como o TikTok.

O relançamento de filmes mais antigos no formato de séries pode ser uma forma de fazer com que eles pareçam novos de novo e é uma forma de apresentá-los a públicos diferentes. Em novembro, o Hulu (serviço de streaming controlado pela Disney, não disponível no Brasil) estreou a minissérie de seis partes "Faraway Downs", que é uma versão reeditada do filme "Austrália", de 2008, de Baz Luhrmann, trazendo uma hora de filmagem extra e um final alternativo. 

Luhrmann disse ao The Daily Beast  que "Faraway Downs" não era simplesmente uma versão do diretor, dada a "mudança significativa no enredo" e a inclusão de novas músicas e gráficos. "Quando olhei para os 2,5 milhões de metros de filmagens que fiz, percebi que, agora que vamos fazer uma narrativa episódica, posso usar isso", disse Luhrmann.

"Austrália" (Crédito: 20th Century Studios)

A rede de TV canadense CBC lançou "BlackBerry", que retrata a ascensão e queda do smartphone, como uma série curta de três partes que conta com 16 minutos de novas filmagens. O lançamento da série ocorreu seis meses depois da estreia do filme nos cinemas do Canadá e dos Estados Unidos e rendeu mais de US$ 2 milhões na bilheteria mundial.

O conceito de filmes transformados em minisséries não é totalmente novo. Desde a década de 1970, os filmes têm sido reeditados em versões feitas para a TV. Um exemplo é "O Poderoso Chefão" e "O Poderoso Chefão Parte II", que foram transformados em uma minissérie de quatro partes em 1977.

Um exemplo mais recente é da era do streaming: em 2015, a Netflix lançou uma versão em minissérie de "Os Oito Odiados", de Quentin Tarantino, que incluía quase meia hora de filmagem adicional. 

"O filme existe como um filme, mas eu estava disposto a tentar usar todas as filmagens que fizemos e tentar reuni-las em formato de episódios", disse Tarantino ao SlashFilm em 2019.

No caso de "BlackBerry", o desenvolvimento do projeto teve origem na CBC depois que a empresa optou pelo livro "Losing the Signal" (Perdendo o Sinal, em tradução livre), de Jacquie McNish e Sean Silcoff, em 2018.

De acordo com Sally Catto, gerente geral de entretenimento, notícias e esportes da CBC, a intenção sempre foi criar uma série limitada em três partes, mas acabaram lançando-a primeiro como um filme, por motivos financeiros. 

"Ao longo de quatro anos de desenvolvimento, percebemos que a produção de uma versão cinematográfica e de uma versão em série nos permitiria monetizar melhor e contar essa importante história canadense a partir de uma perspectiva local", diz Catto.

"É um desafio financiar projetos no Canadá, por isso precisamos ser inovadores na forma como os concebemos, e séries pequenas podem ser especialmente difíceis de financiar." 

"Os Oito Odiados" (Crédito: HBO Max)

Matt Johnson, diretor de "BlackBerry" (que também co-estrelou o filme no papel do cofundador da empresa de tecnologia, Douglas Fregin), disse que ficou animado quando soube que a CBC estava criando uma série, porque isso permitiu que ele e o co-roteirista Matthew Miller voltassem ao plano original. 

Johnson acrescentou que, embora cada situação seja diferente para cada cineasta, estúdio ou serviço de streaming, ele acredita que essa é uma estratégia que o setor talvez explore mais se os próprios diretores estiverem abertos a ela.

"A possibilidade de exibir algo em dois formatos diferentes proporciona uma enorme liberdade criativa para nós", diz Johnson. "Se outros cineastas aceitarem a ideia de que, ao lançar um projeto em dois formatos, eles poderão ter muito mais controle sobre o conteúdo em si, acredito que essa tendência vai se popularizar."


SOBRE A AUTORA

Saleah Blancaflor é jornalista e cobre as áreas de negócios, entretenimento, cultura e estilo de vida. saiba mais