O que a Tocha da Olimpíada de Paris 2024 revela sobre o espírito dos jogos
O objeto foi desenhado para ser produzido de forma sustentável e é repleto de simbolismo
O revezamento da tocha existe desde o início dos Jogos Olímpicos antigos, por volta de 776 a.C. Mas sua versão moderna começou (talvez ironicamente, para um evento dedicado à paz) nos Jogos de 1936, em Berlim, poucos anos antes do início da Segunda Guerra Mundial. Desde então, as cidades-sede têm se valido deste símbolo para contar uma história sobre sua Olimpíada e sobre elas mesmas.
A tocha de Berlim foi sobreposta com uma águia alemã, em alusão a um sentimento perturbadoramente nacionalista. A de Sydney 2000 foi inspirada nas curvas da Opera House. A de Atenas 2004 teve como inspiração uma folha de oliveira, um sinal tradicional de paz.
Por fim, a tocha inspirada na flor de cerejeira do torneio do Japão, em 2021, abraçou o renascimento, incorporando alumínio reciclado dos abrigos que acomodaram as vítimas do terremoto seguido de tsunami ocorrido em 2011.
Abraçando esta tradição simbólica, temos a elegante tocha de aço na cor champanhe para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris em 2024, criada pelo designer francês Mathieu Lehanneur, conhecido por suas criações refinadas e ao mesmo tempo lúdicas.
Seria uma ampulheta invertida? Um cigarro eletrônico em tamanho grande? Duas garrafas de água de costas uma para a outra? Na verdade, o que Lehanneur fez foi conectar a forma da tocha com os temas centrais, valores e objetivos do evento.
Em primeiro lugar, igualdade: os Jogos de Paris serão os primeiros com o mesmo número homens e mulheres, o que é enfatizado pela simetria perfeita da peça, onde a parte superior e inferior são imagens espelhadas.
O segundo tema é a própria Paris, com o Sena representado na metade inferior da tocha, espelhada e manchada – um design que remete à água. O terceiro é a paz, que se expressa nas suaves curvas da tocha.
“Forma é substância que emerge à superfície," observou Lehanneur, citando Victor Hugo, um dos mais famosos escritores da França. "O primeiro objetivo é saber o que você deseja expressar.”
Menos visível na forma da tocha é a adesão ao tema da sustentabilidade. A cidade, que vai utilizar 95% de instalações existentes ou temporárias, espera reduzir pela metade a pegada de carbono do evento e compensar o restante.
As tochas utilizadas ao longo do percurso serão feitas de aço reciclado e em menor número: cerca de duas mil, em comparação com as cerca de 12 mil feitas para Olimpíadas anteriores. Algumas serão reutilizadas – uma novidade – e seu design simples exigirá menos componentes, tornando mais fácil o processo de montagem e desmontagem.
No trajeto para acender a pira olímpica, as tochas (com 70 centímetros de altura) serão carregadas por milhares de corredores em todo o mundo. Para ajudar a criar o que Lehanneur chama de um efeito de "bandeira flamejante" e permitir melhor visibilidade, uma pequena ranhura será entalhada na lateral da metade superior.
O logotipo da Olimpíada de Paris 2024 será entalhado no centro, em dourado. A tocha vai pesar pouco menos de 1,4 quilos, ou seja, um objeto relativamente fácil de carregar.
O designer, que há muito tempo combina praticidade com beleza e um toque lúdico, projetou postes de iluminação de rua em madeira para a conferência do clima COP 21 em Paris, um carro-conceito panorâmico para a Renault e luminárias arredondadas em acrílico rosa para o Café Mollien, no Museu do Louvre.
Lehanneur é famoso na França e no mundo do design, mas os Jogos Olímpicos podem torná-lo um nome conhecido em todo o mundo, assim como aconteceu com Thomas Heatherwick, que projetou a pira olímpica dos Jogos de Londres em 2012.
“Sinceramente, não sou fá de competições”, observou Lehanneur, referindo-se ao concurso para projetar a tocha. "Mas, neste caso, seria impossível dizer não.”