O que os urbanistas da antiguidade podem nos ensinar sobre UX

Há centenas de anos, urbanistas têm projetado experiências humanas. Os designers de UI/UX podem aprender muito com elas

Crédito: Alexander Spatari/ Moment/ Getty Images

Tom Sieple 9 minutos de leitura

Em 2017, minha esposa e eu passamos nossa lua de mel em Alfama, um dos bairros mais antigos de Lisboa. Esse pequeno distrito surgiu em 1.200 a.C. e ainda mantém toda a sua beleza, com lindas igrejas espalhadas entre os estreitos prédios residenciais de três e quatro andares.

A cada esquina, podemos ver pequenas mercearias e padarias e, à noite, algumas ruas se transformam em restaurantes a céu aberto que servem peixes frescos. As vias são estreitas e pavimentadas com paralelepípedos, tornando a caminhada a única opção viável para se locomover na região.

O que mais me impressiona é que este bairro compartilha, em essência, as mesmas características de qualquer cidade moderna. Apesar dos séculos que os separam e das diferenças claras de escala, Chicago e Alfama têm muitos elementos centrais em comum.

Alfama_Lisboa

Ambos têm lojas, casas, arte urbana, praças, parques, escolas e muito mais. Embora possam ter formas e tamanhos notavelmente diferentes, suas igrejas, mercados e becos cumprem as mesmas funções na vida das pessoas, quer morem em Lagos, Londres, Pequim, Mumbai, Los Angeles ou em qualquer outra grande metrópole moderna.

Além disso, compartilham características semelhantes com as cidades da era clássica, como Roma ou Alexandria. Ao longo dos quase 10 mil anos – até onde sabemos – em que a humanidade tem construído cidades, os mesmos elementos comuns sempre existiram, em diversas formas e escalas.

O design de produtos frequentemente utiliza a forma urbana como metáfora.

No meu primeiro artigo sobre cidades cibernéticas, fiz um breve paralelo entre cidades e softwares, em termos de como são projetados para facilitar atividades humanas. As cidades existem em um vetor físico, enquanto o ciberespaço existe em um vetor metafísico, mas ambos buscam conectar pessoas, serviços e outros locais de interesse de maneira significativa e agradável.

Todas essas semelhanças levantam a seguinte questão: o que podemos aprender com a prática milenar de construir cidades e como aplicar esse conhecimento ao design de software? Vamos começar com algumas teorias básicas.

FORMA URBANA

Um dos elementos mais fundamentais do urbanismo é o conceito de “forma urbana”. Todas as cidades têm esses componentes comuns que mencionei anteriormente e eles constituem a forma urbana. Podem variar em tamanho, cor, material, idade, características e inúmeros outros parâmetros, mas, em sua essência, compartilham elementos comuns.

É exatamente por isso que, ao visitar Paris, Cidade do México, Cairo, uma área rural do Japão ou um subúrbio de Seattle, é possível usar os mesmos termos comuns para elementos urbanos com relativamente pouca variação de significado.

Toda cidade tem ruas, prédios e espaços abertos. Mesmo se subcategorizarmos esses elementos, ainda encontramos equivalentes culturais claros. O design de produtos frequentemente utiliza a forma urbana como metáfora.

Crédito: Marseas/ iStock

Antes de prosseguir, é importante mencionar que todos os campos do design dependem de repetição e padrões para criar experiências universais, e cada um tem seus próprios termos específicos. Vários campos se concentram nos usuários “pretendidos” para minimizar o atrito entre eles e seus objetivos e, assim, auxiliar nas tarefas em questão.

Em muitos casos, isso leva à convergência em escolhas de design, frequentemente codificadas na forma de regulamentos, como códigos arquitetônicos, ou teorias universais, como os princípios da Gestalt. Esse ciclo de inovação e padronização é o que nos permite ter colheres, carros ou interfaces de usuário com formas, tamanhos e mecanismos semelhantes.

Ao longo dos quase 10 mil anos em que a humanidade tem construído cidades, os mesmos elementos comuns sempre existiram, em diversas formas e escalas.

Também é importante destacar que, em muitos casos, esses princípios de design se integram ao zeitgeist da sociedade de maneira que os usuários podem se envolver inconscientemente com um produto.

Imagine ter que “entender” cada porta antes de usá-la. Ou, pior ainda, pense em quão frustrante é quando um design contraria nossas expectativas. Já aconteceu de você tentar empurrar uma porta que abre para dentro?

Esses designs pouco claros são especialmente frustrantes, pois estão em desacordo com nossas expectativas e nos deixam confusos, irritados e até mesmo envergonhados.

As cidades, por serem o resultado direto das necessidades humanas de comunidade, moradia e alimentação, surgiram da invisível luta entre “forma versus função”. É claro que, desde o surgimento da “cidade” como conceito, os humanos buscaram criar lugares funcionais e bonitos para viver. Essas escolhas moldaram a forma urbana de todas as cidades modernas de hoje.

A IMAGEM DA CIDADE

Em 1960, Kevin Lynch, renomado urbanista norte-americano e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicou uma das obras sobre design urbano mais influentes até hoje: “A Imagem da Cidade”.

Ao longo dos últimos 50 anos, esse livro tem sido leitura obrigatória para estudantes e profissionais de planejamento urbano. O texto foca em como as pessoas dão sentido aos espaços urbanos enquanto os experimentam como pedestres.

Lynch estabeleceu uma base sólida para entender a experiência humana do espaço, baseando-se em sua compreensão de algumas cidades como exemplos. Essa estrutura define uma linguagem para a experiência urbana e, de forma notável, transcende espaço, tempo, cultura e tecnologia.

Identificando cinco elementos essenciais, Lynch criou uma espécie de macro-taxonomia. Independentemente do tamanho, história ou país, todos os espaços urbanos os compartilham. Os mapas que ele criou a partir dessas teorias se tornaram um pilar do planejamento urbano. A seguir, apresento os cinco elementos dos espaços urbanos identificados por Lynch.

1. Caminhos

Os caminhos são os corredores ou vias que as pessoas, carros etc., usam para se locomover pela cidade. Eles podem ser formais, como calçadas, ou informais, como trilhas em parques. Além disso, podem ser compartilhados, permitindo a circulação de bicicletas e carros, e geralmente são fáceis de seguir e identificar.

2. Limites

Os limites definem as divisas entre diferentes espaços dentro da cidade. Muitas vezes, são estabelecidos pelos próprios caminhos, criando fronteiras em ambos os lados. Em termos simples, eles nos ajudam a saber “onde cada lugar começa e termina”. Os limites podem ser bem definidos ou não, mas, em geral, são facilmente reconhecíveis.

3. Pontos Nodais

Os pontos nodais são locais de convergência onde diversos caminhos ou limites se encontram. São interseções que permitem que as pessoas se desloquem para outras partes da cidade. Por exemplo, as intersecções de estradas são um exemplo claro de ponto nodal. Elas representam pontos de decisão para os indivíduos que transitam pela cidade.

4. Bairros

Dentro dos limites, encontramos os bairros – áreas identificáveis e geralmente homogêneas. Eles podem englobar campi universitários, zonas industriais ou áreas comerciais, por exemplo. Um visitante pode não perceber diferenças entre os bairros, mas um morador é capaz de identificar nuances mais sutis. Os bairros compõem a maior parte da área física das cidades.

5. Marcos

Os marcos são elementos físicos facilmente identificáveis que ancoram a experiência das pessoas no espaço. Quem visita Chicago, por exemplo, pode usar o lago Michigan como ponto de referência para se localizar facilmente.

Mesmo cidades menores, aldeias e bairros contam com seus próprios marcos – monumentos, restaurantes, cafeterias, outdoors ou paisagens comuns reconhecidas por todos. Embora alguns possam ser mais específicos em localidades menores, em geral, são relativamente universais, mesmo para visitantes.

MAPA LYNCHIANO

Essa classificação básica do espaço pode não parecer uma grande descoberta, mas, na verdade, estabelece uma linguagem comum para definir elementos urbanos. Também dá às pessoas as ferramentas necessárias para avaliar a qualidade do design urbano.

Os caminhos são projetados para serem percorridos; se não cumprirem essa função essencial, significa que não foram bem planejados. Além disso, alguns têm um foco maior na mobilidade casual, como trilhas em parques, onde a velocidade é secundária ao objetivo principal – o lazer. Já as vias principais priorizam a rapidez e a eficiência.

Colocar uma rua movimentada no meio de um parque ou uma trilha sinuosa em uma área comercial vai contra as necessidades contextuais do design. Você conseguiria imaginar, por exemplo, uma avenida cortando o Central Park de Nova York?

Crédito: Carol M. Highsmith/ Biblioteca do Congresso dos EUA

Não é difícil pensar em exemplos em que outros elementos desempenham bem suas funções. O Central Park é, ao mesmo tempo, um ponto de referência e um “bairro”, e cumpre muito bem o papel de oferecer aos pedestres uma noção de onde estão, ao mesmo tempo em que cumpre sua função como parque.

DE VOLTA AO DESIGN DE PRODUTOS

Mas o que tudo isso tem a ver com o design de produtos? Bem, os designers têm sua própria forma de mapeamento. Mapas de jornada do usuário e diagramas de serviços são ferramentas usadas para compreender o “espaço”.

Em outro artigo, argumentei que as cidades têm como foco principal a mobilidade humana no mundo físico, enquanto os serviços digitais “viajam” pelo mundo metafísico do ciberespaço. Botões, ícones e menus são as ruas, estradas, prédios e espaços abertos da nossa cidade metafórica.

Os diagramas de serviços e mapas de jornada do usuário também nos revelam os elementos comuns entre a cidade e os aplicativos, bem como quais escolhas de design atendem melhor aos usuários. As linhas que conectam objetos em um diagrama ou mapa representam um “caminho percorrido”, muitas vezes de um “bairro” para outro.

Ao passar da aba do “perfil” para o “marketplace” de um aplicativo, utilizamos um “caminho” e “pontos nodais” na forma de botões e menus. Há também “marcos” claros, geralmente na forma de ícones, logotipos ou menus hambúrguer, e todos eles orientam a experiência e nos ajudam a navegar pelo aplicativo.

Portanto, podemos considerar a mobilidade digital como uma ida ao supermercado ou um passeio de bicicleta no parque. As alegrias e frustrações físicas da forma urbana têm equivalentes metafóricos nos aplicativos.

As rotas alternativas, curvas e atalhos ao longo desses percursos refletem perfeitamente como navegamos no ciberespaço. Para mim, esse é o ponto de virada. É aqui que acredito que começamos a perceber que as semelhanças entre cidades e aplicativos não são apenas metafóricas.

As cidades conduzem nossos corpos físicos de um lugar para outro, de um serviço para outro e de uma tarefa para outra. Os aplicativos fazem o mesmo com nossos “corpos” virtuais. Através de caminhos, limites, pontos nodais, bairros e marcos, os apps nos guiam pelo mundo cibernético – que é, em última instância, um reflexo perfeito do mundo real.

Este artigo foi publicado originalmente no UX Collective e reproduzido com permissão.


SOBRE O AUTOR

Tom Sieple é urbaninsta e designer de UX e informática na CCC Intelligent Solutions. saiba mais