O que um vestido transparente nos diz sobre a patrulha ao corpo feminino

Vestido da grife Valentino usado por Florence Pugh gerou discussões acaloradas sobre misoginia e corpos femininos

Crédito: CSA Images/ Vittorio Zunino Celotto/ GettyImages

Harriette Richards 4 minutos de leitura

Em uma sexta-feira (8 de julho), Florence Pugh assistiu ao desfile da coleção outono/ inverno da grife Valentino, em Roma, usando um vestido rosa transparente que expunha seus seios. Ao postar no Instagram fotos de si mesma no evento, a atriz escreveu uma legenda provocativa fazendo referência aos mamilos à mostra: “Tecnicamente estão cobertos?”

O desfile em si foi uma celebração exuberante da história e do futuro da marca Valentino. Mas, por mais extravagante que fosse, a presença de convidados famosos, como Pugh, é que atraiu toda a atenção.

Por que uma foto de uma atriz de vestido rosa, em um evento de moda de luxo em Roma, gerou tanta polêmica? Como a própria Pugh afirma, é “tudo por causa de dois mamilos bonitinhos...”. Em 2022, mamilos à mostra em redes sociais continuam sendo uma questão controversa.

#FREETHENIPPLE

Ao postar a foto, Pugh recebeu inúmeras críticas, tanto positivas quanto negativas. Houve aqueles que, em oposição à rigorosa política de não permitir a exposição de mamilos femininos do Instagram, foram rápidos em comentar sobre a beleza de seu look e elogiá-la por desafiar o policiamento antiquado do corpo das mulheres. Por outro lado, recebeu uma enorme enxurrada de comentários tóxicos.

A atriz então publicou um segundo post, no qual responde aos comentários misóginos que recebeu no anterior. Na legenda, provoca: “por que vocês têm tanto medo de seios?”

A pergunta foi direcionada aos homens que postaram comentários negativos sobre seu corpo, mas também poderia ser uma crítica às práticas controversas de moderação de conteúdo do Instagram.

A legenda não apenas chama a atenção para "o quão fácil é para os homens destruir totalmente o corpo de uma mulher, publicamente, sem pudor, para todos verem”, mas também para como as redes sociais contribuem para padrões de beleza irreais. São exatamente essas expectativas que Pugh rejeita, dizendo com orgulho:

“Minha missão nessa indústria sempre foi dizer ‘foda-se’ toda vez que alguém espera que meu corpo corresponda a padrões e opiniões sobre o que é considerado bonito ou sexualmente atraente”.

A atriz não é a primeira celebridade a fazer uma declaração política nas redes sobre a experiência da misoginia e a forma como os corpos das mulheres e a autoexpressão através da nudez são desproporcionalmente policiados.

Em 2015, a participação de Naomi Campbell na campanha digital #freethenipple (ou libertem os mamilos, em português) foi removida por violar os termos de uso do Instagram. De lá para cá, outras celebridades, como Miley Cyrus, Lena Dunham e Cara Delevingne, também passaram a defender publicamente o movimento.

No entanto, apesar das várias campanhas para mudar as políticas em relação ao corpo das mulheres, as diretrizes do Instagram continuam a censurar seus mamilos.

Crédito: Vittorio Zunino Celotto/ GettyImages

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

O post de Pugh permanece no Instagram, o que é uma ponto positivo e sugere que as coisas podem estar mudando. No entanto, ela é uma mulher jovem, branca, cis e que atende ao padrão de beleza, além de estrelar filmes de sucesso. Outras usuárias do Instagram, que não se encaixam nessas categorias, provavelmente teriam uma foto semelhante rapidamente removida.

Em 2020, a política de nudez da rede social foi criticada quando uma imagem da modelo Nyome Nicholas-Williams, seminua e com os braços cobrindo seus seios, foi repetidamente removida. Isso reacendeu alegações de preconceito racial e gordofobia nos processos de moderação de conteúdo.

A foto não mostrava mamilos, mas infringia uma política do Instagram que proíbe imagens que retratam “seios sendo apalpados”. Essa medida foi bastante criticada por penalizar usuárias gordas e plus size e não levar em conta mulheres com seios maiores.

Desde então, o Instagram tentou melhorar sua política sobre esse tipo específico de nudez para permitir que seios pudessem ser “segurados” ou “sustentados”.

Post da modelo Nyome Nicholas-Williams foi suspenso várias vezes pelo Instagram

Algumas pesquisas sugerem que a remoção de postagens no Instagram censuram desproporcionalmente mulheres, pessoas não brancas, usuários plus size e membros de comunidades LGBTQIA+.

No entanto, outra pesquisa também descobriu que imagens de mulheres “abaixo do peso” são removidas do Instagram com uma frequência mais alta, sugerindo que, embora a moderação de conteúdo seja aplicada de forma inconsistente, há também um policiamento em relação a mulheres magras.

MODA POLÍTICA

Mostrar seios na passarela está longe de ser algo inédito. De fato, várias modelos que desfilaram para a Valentino usavam roupas transparentes que deixavam seus seios à mostra. Foi somente no post de Pugh no Instagram que isso virou uma questão política. 

A autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos, é claro, tornou-se tema central nas últimas semanas, desde a derrubada da decisão Roe vs. Wade pela Suprema Corte dos EUA. O policiamento de corpos no ambiente virtual pode ser visto como um reflexo das piores práticas que vemos no mundo real.

Embora as diretrizes do Instagram afirmem que, em alguns casos, fotos de “mamilos femininos” são permitidas “como um ato de protesto”, é difícil de imaginar como imagens de seios à mostra seriam algo diferente disso.

Um post como este ser capaz de provocar respostas tão inflamadas certamente comprova que é hora de libertar os mamilos. #Freethenipple!


SOBRE A AUTORA

Harriette Richards é professora de negócios de moda na RMIT University. saiba mais