Por dentro do estúdio que cria as botas dos super heróis da Marvel
Após 18 anos criando sapatos para alguns dos personagens mais famosos da tela, a loja de calçados personalizados está fechando as portas
Ao entrar na sapataria personalizada da Jitterbug Boy Original Footwear, em Toronto, já dá para sentir no ar o cheiro de couro, madeira e cola. Pares de sapatos e botas ficam pendurados em um teto de madeira de mais de 100 anos. Enquanto Jeff Churchill, fundador e proprietário da loja, me mostra o espaço, reconheço nas prateleiras protótipos de botas de super-heróis de toda uma série de filmes da Marvel.
Por mais de 18 anos, a marca Jitterbug Boy criou sapatos personalizados para grandes espetáculos teatrais, incluindo os do Cirque du Soleil e do musical "A Fantástica Fábrica de Chocolates", além de filmes como o recém-lançado "A Pequena Sereia" e de séries de televisão como "Obi-Wan Kenobi".
Apesar de ter trabalhado em mais de 600 produções, o nome Jitterbug Boy apareceu apenas uma vez nos créditos. Na verdade, muitas pessoas ficam surpresas com o fato de sapatos personalizados serem encomendados para atores e artistas, e mais ainda com o fato de que eles são criados por um sapateiro canadense e sua equipe de pessoas comuns, da classe trabalhadora.
No entanto, Jeff Churchill – que se autodenomina um socialista com estilo punk – não se define como alguém que faça sapatos para “as estrelas”, mas sim como alguém que colabora com seus pares que também trabalham com criação.
“Se meus sapatos acabam sendo usados por Scarlet Johansen ou Brad Pitt, isso é só um detalhe”, diz ele. “Eu faço sapatos para o figurinista e para as equipes das produções, pessoas que fazem parte do mesmo universo criativo de onde venho.”
Cada calçado que Churchill e sua equipe de artesãos fazem começa recebendo o conceito de um figurinista para o design e as medidas necessárias do pé. A partir daí, Churchill cria uma forma, ou o modelo abstrato do pé, que fornece a estrutura para o sapato.
Depois disso, ele cria um padrão e seleciona os materiais, que podem precisar ser tingidos ou manipulados para se adequar ao design. Costureiras especializadas cortam e costuram os materiais de acordo com as especificações de cada modelo, o que pode levar até quatro dias, dependendo da complexidade do desenho.
Uma vez que o desenho é cortado, o couro molhado do sapato precisa ser esticado na fôrma antes de secar. Só então a equipe de artesanato pode começar a montar a estrutura.
O processo de trabalho intensivo termina com a sola, que inclui esculpir o solado e o calcanhar e juntar essas peças com a parte superior do sapato, usando cola, pregos e costura. O processo de produção de um par muito simples pode levar até 16 horas e o de um mais elaborado, até 50 horas. Isso sem incluir o tempo de secagem.
O trabalho e as despesas da fabricação de calçados personalizados dificultaram a manutenção de um modelo de negócios lucrativo, principalmente depois dos fechamentos e desacelerações da pandemia de Covid-19.
O modelo de negócios do sapateiro personalizado para as artes exige um equilíbrio entre trabalho constante, como em grandes produções teatrais em Las Vegas, e o lucrativo, mas intermitente, no cinema e na televisão. Quando a pandemia suspendeu as produções teatrais, esse modelo de negócios entrou em colapso.
“Fizemos um trabalho realmente extraordinário [mais de 80 shows], mas 90% disso foi apenas para manter as portas abertas e garantir que as pessoas tivessem trabalho suficiente para mantê-las empregadas”, ele conta.
“Agora, passo tanto tempo tentando manter o negócio funcionando que tenho me afastado ainda mais do trabalho criativo real. Essa situação não é mais sustentável, financeiramente. Me parte o coração desmontar essa equipe e fechar a loja, mas também sinto que está na hora. Nosso trabalho está deslocado no tempo."
O que vem a seguir para Churchill é um modelo de negócios para fabricação de calçados personalizados que será 90% significativo e criativo. Isso vai depender de convencer os produtores de cinema a criar espaço fixo para um sapateiro profissional interno, contratado para o time das produções da indústria.
“Realmente, espero que possam criar uma nova posição e que eu consiga, de certa forma, dar um pouco mais de vida à indústria de calçados”, ele torce. “Do ponto de vista criativo, espero que aquilo que eu faço possa inspirar uma nova geração.”