Por que a fotografia foi criada com viés racista e como mudar essa situação

Precisamos desenvolver novas tecnologias para resolver um problema antigo: o racismo na fotografia

Créditos: Peter Pencil/ Ryan J Lane/ iStock

Naveen Kumar 6 minutos de leitura

O diretor de fotografia Jomo Fray tem apenas duas fotos de sua avó caribenha, provavelmente tiradas na década de 1950. Embora as considere excepcionais, Fray lembra que ela odiava ser fotografada, pois nunca se sentia representada nas imagens.

“A fotografia não foi projetada para capturar pessoas de pele escura”, explica o diretor, destacando o viés racial da

Os princípios da fotografia analógica, que consideravam a pele clara como padrão, foram incorporados às tecnologias digitais desde o início.

tecnologia, que tem consequências pessoais profundas. “Muitos acreditam que só morremos de verdade quando não há mais ninguém que lembre de nós. E esse é exatamente o poder da fotografia.”

Apesar de quase todo mundo ter um celular com câmera e de vivermos em um mundo no qual imagens estão por todos os lados, a tecnologia ainda não é capaz de capturar os diferentes tons de pele.

Os princípios fundamentais da fotografia analógica, que consideravam a pele clara como padrão, foram incorporados às tecnologias digitais desde o início. E é amplamente documentado que a inteligência artificial, que impulsionou avanços recentes na fotografia, está repleta de viés racial.

Isso faz com que seja muito simples criar uma imagem do papa vestindo um casaco Balenciaga (o que nunca aconteceu), mas tirar uma foto de crianças não brancas soprando as velas de um bolo de aniversário com pouca iluminação continua sendo um grande desafio.

Em resposta à demanda dos consumidores por melhores ferramentas de criação de imagens, as empresas começaram a corrigir os vieses raciais na tecnologia de fotografia digital, incluindo aqueles que persistem desde a era analógica e que foram incorporados à IA.

No ano passado, o Google lançou o Pixel 6, seu primeiro celular com o Real Tone, um software que utiliza inteligência artificial para capturar uma ampla variedade de tons de pele.

Fray, um dos artistas que contribuiu para o desenvolvimento do recurso, conta que teve conversas com os engenheiros não apenas para aprimorar a qualidade das imagens, mas também para entender como os vieses surgiram na tecnologia.

“Se pudermos discutir a natureza da tecnologia e sua história, poderemos chegar a um ponto em que as imagens sejam mais inclusivas e representativas”, afirma Fray.

A teoria da exposição e a mistura de cores são dois dos principais princípios da fotografia analógica que ainda causam problemas na tecnologia digital. O Sistema de Zonas, desenvolvido por Ansel Adams e Fred Archer por volta de 1940, divide a faixa de exposição em 11 zonas – do branco absoluto ao preto profundo, passando por nove tons de cinza.

O Snapchat criou o Inclusive Camera, recurso que compensa os efeitos da luz e da exposição para capturar com mais nitidez os tons de pele (Crédito: Snap Inc.)

A Zona 7, também conhecida como cinza 18%, foi considerada por muito tempo a exposição ideal para pessoas em uma foto, porém, é um padrão baseado na pele branca. Embora o Sistema de Zonas tenha sido originalmente criado para filmes em preto e branco, também influenciou a teoria de exposição em filmes a cores e na tecnologia de fotografia digital.

A IA AVANÇA, MAS O RACISMO PERSISTE

As câmeras de celular são programadas para fazer ajustes sem exigir que tenhamos qualquer conhecimento técnico. Enquanto as primeiras câmeras digitais eram programadas para equalizar automaticamente o espectro de tons de pele, otimizando para o cinza médio associado à pele clara, os avanços na IA tornaram esse processo mais dinâmico. No entanto, é evidente que ainda existe um viés inerente. 

Um exemplo disso é o caso do jogador de futebol americano Prince Amukamara, que praticamente desapareceu em uma foto tirada no ano passado ao lado de colegas brancos.

A câmera focou nos três jogadores, otimizando a exposição para Aaron Rodgers e Brett Favre, enquanto deixava Amukamara em profunda sombra. Esse resultado é uma prova impactante dos valores incorporados à tecnologia sobre quem é digno de ser visto.

A química do filme colorido, composta por camadas sensíveis a diferentes cores de luz, também foi desenvolvida para representar tons de pele clara. Na década de 1950, a Kodak introduziu o cartão Shirley, que trazia a imagem de uma mulher branca, para ser usado pelos laboratórios na padronização de cores e tons de pele em impressões fotográficas.

Somente na década de 1970, quando empresas de móveis de madeira e de barras de chocolate reclamaram que o filme da Kodak não distinguia tons de marrom, a empresa começou a trabalhar para expandir sua paleta de cores.

Assim, nos anos 1990, lançou o filme Gold Max, que permitia “fotografar os detalhes de um cavalo preto com pouca luz” – uma forma sugestiva de dizer que ele funcionava melhor com tons de pele escura. Foi nessa época que a Kodak adicionou mulheres de diferentes etnias em seu cartão.

OS MUITOS TONS DE SIMONE BILES

Mesmo para fotógrafos profissionais, alcançar um equilíbrio de cores continua sendo um processo complexo. Basta considerar os diferentes tons de pele nos quais a ginasta olímpica Simone Biles já foi retratada em capas de revistas. Seria razoável supor que as inovações tecnológicas abordariam essa questão.

No entanto, exemplos recentes de viés racial na inteligência artificial têm sido perturbadores, como um algoritmo que recebeu uma imagem de baixa qualidade de Barack Obama e gerou uma versão mais nítida, transformando o ex-presidente em um homem branco.

Crédito: captura de tela/ Twitter

O problema está nos dados com os quais a IA é treinada – algo que claramente precisa ser revisado.

O surgimento das redes sociais foi o primeiro grande impulso para a inovação. O crescimento do streaming – combinado com uma mudança em direção a mais representatividade na televisão e no cinema – está transformando ainda mais a maneira como as histórias são contadas e capturadas, e quais expectativas as pessoas têm ao se verem refletidas em uma escala mais ampla.

De acordo com Julian Elijah Martinez, ator de “Wu-Tang: An American Saga” e também fotógrafo, a representação das tonalidades de pele mais escuras “depende de qual história está sendo contada”. A equipe criativa da série tem sido “cuidadosa para garantir que a iluminação seja feita de forma específica e intencional”, explica Martinez.

“Mas quando falamos de uma série como Law & Order, a iluminação é feita de acordo com o clima geral do programa, buscando manter a mesma atmosfera em cada episódio.” Como resultado, a pele de Martinez pode parecer desbotada ou estourada em comparação com sua aparência em produções com uma estética geral adaptada a tons de pele mais escuros.

A expansão da faixa dinâmica, ou seja, a capacidade de uma câmera de capturar com precisão uma ampla variedade de tons de pele em um único quadro, é uma área de inovação que criadores e entusiastas de fotografia esperam ver avançar no futuro.

Isso é especialmente relevante à medida que as famílias, comunidades e as histórias que são contadas se tornam mais interculturais e diversas – uma realidade demográfica essencial que a tecnologia precisa ser capaz de capturar.

“Pensar de forma inclusiva sobre a imagem não se trata apenas de se ver representado com precisão no presente”, afirma Fray. “Trata-se de produzir imagens que sobrevivem ao longo do tempo. Entendemos nosso presente ao compreender nosso passado. E as fotos desempenham um papel fundamental nisso.”


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