Por que o dinheiro de anúncios e assinaturas não vai para os artistas no Spotify

Pagamentos direitos são feitos por meio de um processo chamado streamshare

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Maria Sherman 4 minutos de leitura

Todos os dias, milhões de pessoas usam o Spotify para ouvir música. Atualmente, o serviço responde pela maior parte da receita da indústria musical – incríveis 84% nos EUA, de acordo com a Associação Americana da Indústria de Gravação, e 67,3% em todo o mundo, segundo um relatório de 2024 da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, que monitora as vendas globais.

O Spotify é a maior plataforma do segmento – representando cerca de 31% do mercado global –, com 626 milhões de usuários e 246 milhões de assinantes espalhados por mais de 180 países. Mas como o dinheiro gerado por anúncios e assinaturas chega ao bolso dos artistas?

A resposta curta: não chega diretamente. O Spotify repassa aproximadamente dois terços de cada dólar obtido com streams – uma combinação de assinaturas e receitas de publicidade – para os detentores dos direitos das músicas em sua plataforma, com os pagamentos divididos entre contratos de gravação e publicação.

Esses detentores incluem gravadoras, distribuidoras, agregadores e sociedades de arrecadação – como Sony, Warner, Universal e Merlin, que representa gravadoras independentes. Eles, por sua vez, pagam os artistas de acordo com os contratos estabelecidos.

Se um artista faz sua própria distribuição, ele pode pagar uma pequena taxa a um agregador ou serviço de upload. Nesse caso, ele fica com “a maior parte dos royalties”, explica Charlie Hellman, chefe global de produtos musicais do Spotify. Ou “o dinheiro vai para sua gravadora e distribuidora”. Depois que a plataforma paga os detentores dos direitos, “perdemos o controle sobre o que acontece com o dinheiro”.

O QUE É STREAMSHARE?

Quando você compra um álbum em uma loja, uma porcentagem do valor vai diretamente para o artista. No streaming, as receitas das assinaturas são colocadas em um fundo e distribuídas através do streamshare, um número que o Spotify calcula somando a quantidade de vezes que as músicas de um determinado detentor de direitos foram reproduzidas em um mês em cada mercado e dividindo pelo total de reproduções naquele mercado.

Hellman explica que “qualquer fração de streams” que um detentor possui no Spotify corresponde “à fração do pagamento total que será destinada”. “Fazemos esse cálculo por mercado”, diz ele. Por exemplo, se uma gravadora como a Universal Music Group representar metade de todas as reproduções nos EUA, ela “receberá metade da receita gerada no país”.

Liz Pelly, jornalista que lançará seu primeiro livro, “Mood Machine: The Rise of Spotify and the Costs of the Perfect Playlist” (Mood Machine: A ascensão do Spotify e os custos da playlist perfeita), em 2025, critica o sistema streamshare por “beneficiar os artistas que geram mais streams” e “as grandes gravadoras que já dominam boa parte do mercado”.

Nos últimos anos, organizações de artistas e sindicatos de músicos independentes têm pedido uma mudança para um sistema mais centrado no usuário. Nesse modelo, os royalties seriam pagos diretamente aos detentores de direitos com base no que cada usuário ouve.

Assim, se você só ouviu Charli XCX no mês, ela e os detentores dos direitos de sua música receberiam aproximadamente dois terços da receita gerada pela sua assinatura.

“O modelo atual do Spotify não funciona para a maioria dos artistas, porque não é possível viver exclusivamente de streams”, afirma a artista experimental Julia Holter, que lançou seu sexto álbum, “Something in the Room She Moves”, em março. “A matemática é complicada, e esse é um dos problemas.”

EXISTEM SITUAÇÕES EM QUE OS ARTISTAS NÃO RECEBEM?

Em abril, o Spotify começou a cortar pagamentos para músicas com menos de mil reproduções anuais, em uma tentativa de direcionar a receita para o que a empresa chama de “artistas emergentes e profissionais”. Como resultado, aqueles que já têm uma fatia maior do streamshare acabam recebendo uma parcela ainda maior, às custas dos artistas com poucos streams.

Hellman explica que, como existe um valor mínimo para que artistas possam sacar dinheiro de uma distribuidora, aqueles com menos de mil reproduções anuais não conseguem coletar seus royalties.

O Spotify é a maior plataforma do segmento de streaming de música, representando cerca um terço do mercado global.

“Havia um número crescente de uploaders com quantias irrisórias, como US$ 0,03 ou US$ 0,36, acumuladas. Esses centavos espalhados por várias contas estavam desviando dinheiro de artistas que realmente estão tentando viver da música, como profissionais aspirantes.”

Em maio, o Spotify anunciou que incluiria audiolivros em suas assinaturas premium, o que resultou em uma taxa de royalties menor para compositores nos EUA, de acordo com a “Billboard”. A estimativa é de que compositores e distribuidoras ganharão US$ 150 milhões a menos em royalties automáticos, devido às mudanças nos planos premium, duo e familiar, nos primeiros 12 meses.

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Mas políticos estão começando a agir. Em março, os deputados do Congresso norte-americano Rashida Tlaib e Jamaal Bowman apresentaram um projeto de lei chamado Living Wage for Musicians Act (Lei do Salário Digno para Músicos), elaborado em parceria com sindicatos de artistas e trabalhadores da indústria.

O projeto propõe um novo sistema de royalty de streaming, que seria depositado em um Fundo de Compensação para Artistas, garantindo que eles recebam pelo menos um centavo por reprodução. Isso resultaria em pagamentos diretos aos músicos, sem intermediários.


SOBRE A AUTORA

Maria Sherman cobre a área de música para a Associated Press. saiba mais