Que tal ter uma casa construída com “paredes vivas”?
Cientistas avançam em pesquisas que apontam para o futuro da "bioconstrução"
As paredes das nossas casas geralmente precisam ser cobertas de tinta e enfeitadas com alguma arte. Mas um dia elas podem ser cheias de vida. Por meio de uma nova técnica de impressão 3D, o solo implantado com sementes agora pode ser usado como um material de construção semelhante ao concreto.
Desenvolvida por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade da Virgínia, essa técnica de construção pode abrir portas para um tipo completamente novo de construção, com ecossistemas de plantas e bactérias formando o isolamento, a estrutura e até o exterior das casas.
“A parede passa a ser um tecido vivo”, explica Ji Ma, professor assistente de ciência e engenharia de materiais da UVA, que liderou esta pesquisa, publicada recentemente na revista Additive Manufacturing.
Por enquanto, o projeto desenvolvido por Ma e seus colaboradores é mais modesto do que uma casa viva. A equipe se concentrou em pequenas estruturas em forma de cúpula feitas de solo implantado com sementes.
Equilibrando a quantidade de solo, água e sementes, e contabilizando a compactação para bombeá-los todos pelo bico de uma impressora 3D, a equipe conseguiu criar uma pequena cúpula que logo desabrochou.
Ma admite que construir com terra não é uma técnica totalmente nova. “Um dos materiais de construção mais antigos é o solo”, ele relembra, citando as casas de adobe do sudoeste americano e as cabanas de barro da África, por exemplo. “As pessoas construíam estruturas a partir do solo muito antes de construírem com concreto.”
O uso do solo como material para impressão 3D expande seu potencial arquitetônico. “Você pode criar estruturas bastante complexas com ele”, diz Ma. “A robustez não é tão grande, mas certamente elas são fortes o suficiente para serem erguidas e manter a forma.”
Outros engenheiros têm explorado técnicas semelhantes. Uma equipe de pesquisadores em Israel exibiu recentemente várias pequenas estruturas de solo impressas em 3D e embutidas com plantas de rabanete em crescimento.
Mas há implicações mais amplas para esses avanços do que simplesmente a novidade de transformar paredes em pequenos jardins.
Ehsan Baharlou, professor assistente de arquitetura da Universidade da Virginia e colaborador nesta pesquisa, diz que esse método pode um dia ser usado para imprimir estruturas que incorporem uma variedade de combinações de solo e plantas, cada uma desempenhando um papel específico na forma como um edifício se ergue ou permanece isolado.
“Podemos alterar as propriedades do material durante a fabricação, de forma que você possa ter diferentes tipos de funções”, diz ele. “É possível ter uma parede verde de um lado e ter estrutura do outro.”
CARBONO NEGATIVO
Construir com solo também pode ser uma maneira de reduzir a enorme pegada de carbono dos edifícios, particularmente aqueles feitos com materiais intensivos em carbono, como concreto e aço. A incorporação de solo impresso em 3D com plantas pode transformá-las em aspiradores de carbono que absorvem mais CO2 do que produzem.
Ma prevê que a aplicação mais imediata dessa técnica pode não ser em edifícios, mas sim na arquitetura paisagística. A forma como o solo é impresso e a quantidade de água fornecida podem simular, efetivamente, diferentes condições climáticas em várias partes do mundo.
“Potencialmente, temos a capacidade de cultivar espécies de plantas muito diferentes, que normalmente são adaptadas a diferentes ambientes, em um mesmo local”, diz ele. “Abre-se um grande potencial para arquitetos paisagistas criarem coleções de espécies de plantas diferentes, se quiserem.”
Junto com seus colaboradores, Ma e Baharlou continuam explorando o potencial dessa técnica. Baharlou diz que essa abordagem se encaixa com sua outra pesquisa sobre a possibilidade de usar o micélio do fungo como um tipo de material de parede viva. Combinar uma parede de solo impressa em 3D com isolamento à base de micélio pode ser uma forma inicial de bioconstrução.
Mais trabalho ainda será necessário para entender como as plantas, bactérias e outros organismos em tal sistema interagiriam ou até competiriam entre si por recursos como água e luz solar. “Precisamos definir quais tipos de espécies podem trabalhar umas com as outras”, diz Baharlou.
Por enquanto, os pesquisadores mostraram que imprimir em 3D o solo e usá-lo para cultivar plantas é um conceito viável. Controlar o que acontece quando os edifícios começam a funcionar como sistemas biológicos é o próximo desafio.
“Quase não há dúvida de que uma estrutura pode ser construída. A questão é como incorporar o aspecto ecológico”, diz Ma. “É aí que as coisas complicam mais.”