Quem quer ficar em uma clínica de repouso que não foi pensada para idosos?

Crédito: Fast Company Brasil

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A diferença gritante entre um “lar” para idosos e um lar de verdade foi escancarada na pandemia.

As clínicas de repouso são, frequentemente, projetadas para seguir o mesmo modelo de hospitais ou de outros prédios públicos, ainda que, às vezes, se pareçam com hotéis. Exemplos disso podem ser vistos por toda parte: seja nos longos corredores, vastos refeitórios, postos de enfermagem e, sobretudo, nos móveis sem graça. Essas escolhas de design demonstram, em essência, que as clínicas se preocupam mais em ser eficientes em termos de custos do que em replicar a vida cotidiana real.

Então, como podemos fazer com se pareçam mais com lares de verdade, ao mesmo tempo em que mantemos a segurança dos residentes durante uma pandemia?

TORNANDO AS CLÍNICAS MAIS PARECIDAS COM LARES

Clínicas para idosos costumam ser bastante restritivas; algumas, inclusive, são comparadas a prisões. Na pandemia, as coisas ficaram ainda piores, pois os residentes foram impedidos de deixar seus quartos ou receber visitas. Para muitos, estas medidas tiveram um efeito mais nocivo do que a própria doença, já que tanto a saúde física quanto a mental da maioria piorou durante o isolamento imposto.

Os quartos, como os de hotéis, não são ambientes feitos para passar longos períodos sem a companhia de outras pessoas. Alguns podem até se parecer com resorts de luxo, mas os residentes ainda ficam “presos” neles. As clínicas de repouso, muitas vezes, funcionam mais como um “abrigo” do que como uma casa de verdade. Um lugar apenas para dormir, se alimentar e receber cuidados médicos.

AS CLÍNICAS SE PREOCUPAM MAIS EM SER EFICIENTES EM TERMOS DE CUSTOS DO QUE EM REPLICAR A VIDA COTIDIANA REAL.

Como poderíamos torná-las diferentes?

Para tentar responder a essa pergunta, realizamos um workshop de design colaborativo com arquitetos e outros profissionais, como gestores de clínicas de repouso. Buscamos desenvolver projetos a partir de três clínicas sem fins lucrativos existentes. Pedimos ao grupo que refletisse sobre o que caracteriza um lar e o que falta em centros de assistência a idosos.

Chegamos a três ideias principais, sendo que todas poderiam ajudar clínicas de repouso a ter a essência de um lar, além de reduzir o impacto de futuras pandemias.

FAZER PARTE DA COMUNIDADE

As clínicas de repouso são, em geral, prédios e estruturas com muros, fechadas em si e separadas da comunidade. Seus residentes ficam isolados em enfermarias e não participam do convívio social da região. Casas, por outro lado, estão sempre conectadas e fazem parte do mundo exterior.

Incorporar lares para idosos às comunidades fortaleceria o tecido social e físico entre todos e consolidaria redes de apoio. Na prática, isso pode ser feito através de prédios menores e similares aos outros da região, em vez das grandes e imponentes estruturas que vemos hoje.

Também pode se dar por meio de uma ampla gama de opções de moradia, desde casas a apartamentos, com muros e portões menores para que os moradores possam se conectar facilmente à vida da comunidade.

CRIAR COMUNIDADES SEM IDADE

Nosso grupo se inspirou no conceito de design urbano conhecido como “five-minute community” (comunidade de cinco minutos, em tradução livre), onde tudo de que alguém pode precisar fica a uma curta caminhada de distância.

Five-minute community e o modelo de pequenas casas para clínicas de repouso (Crédito: Bickerton Masters)

Focamos em projetos que incentivassem pequenas residências autossuficientes de até oito moradores, com diferentes gerações morando na mesma rua. Comunidades “sem idade” como essa promovem interações entre as diferentes faixas etárias.

Os residentes podem ajustar facilmente o nível de assistência que precisam. Qualquer tratamento médico pode ser realizado em domicílio ou nas proximidades. Pessoas que sofreram uma queda, por exemplo, podem ter acesso a tratamento e fisioterapia em casa ou próximo à sua residência.

Também buscamos maneiras de aproveitar o que já existe nas comunidades, em vez de construir novos prédios isolados para receber idosos.

AS VANTAGENS DE LARES MENORES

Ambientes menores oferecem vantagens em termos de isolamento e disseminação de infecções transmitidas pelo ar.

Prédios pequenos são menos dependentes de sistemas centrais de circulação de ar e podem oferecer formas de reduzir a transmissão de infecções, garantindo que todos os apartamentos e quartos tenham acesso à ventilação natural.

Além disso, podem entrar em quarentena sem a necessidade de isolar uma clínica inteira.

VIVER, NÃO APENAS EXISTIR

O modelo atual de clínicas para idosos pressupõem que os residentes precisam de assistência para fazer quase tudo e de supervisão o tempo todo. Focar apenas nas incapacidades e na vigilância definitivamente não é a melhor forma de cuidado.

As refeições nesses locais, por exemplo, costumam ser feitas em grandes refeitórios ao lado de muitos outros residentes (incluindo estranhos).

Já em uma casa real, a dinâmica é outra: as pessoas decidem o que, quando e onde comer. A “comunidade de cinco minutos” permitiria, entre muitas coisas, que pessoas de diferentes gerações cozinhassem juntas, ou que uma pessoa jovem cozinhasse para uma mais velha enquanto conversam e aprendem uma com o outra.

Projetos que reconhecem e destacam o valor do conhecimento e das habilidades dos idosos podem contribuir para que essas interações ocorram.

Os problemas no modelo tradicional de clínicas de repouso estão cada vez mais evidentes e, mais do que nunca, precisamos de mudanças estruturais e culturais. É hora de repensar estes ambientes para que tenham as necessidades fundamentais das pessoas como sua principal premissa.


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