Técnica da Roma antiga inspira criação de concreto que se conserta sozinho

O ingrediente secreto? Cal

Crédito: Daniel Salo

Elissaveta M. Brandon 3 minutos de leitura

Há muito tempo um enigma intriga os cientistas: o Panteão de Roma, construído há quase dois mil anos, continua de pé. A estrutura icônica, que possui a maior cúpula de concreto não-reforçado do mundo, resistiu a invasões bárbaras, terremotos, incêndios e tempestades.

Apesar de tudo isso, ela ainda continua intacta, ao passo que inúmeros edifícios de concreto mais recentes racharam, foram corroídos e sucumbiram apenas algumas décadas depois de terem sido construídos. Como isso é possível?

construções como o Panteão sobreviveram porque foram feitas de um material com a capacidade de se reparar sem intervenção humana.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), bem como de laboratórios na Itália e na Suíça, pode ter encontrado a resposta nos ingredientes e métodos que os antigos romanos usavam para misturar concreto.

Depois de analisar um pedaço de uma parede da antiga cidade de Privernum, perto de Roma, os pesquisadores descobriram que o concreto apresentava propriedades de autorreparação graças a um ingrediente – o cal – e à técnica usada para misturá-lo.

Em outras palavras, construções como o Panteão sobreviveram ao tempo porque foram feitas de um material que tinha a capacidade de se reparar sem intervenção humana.

As descobertas, que foram publicadas recentemente na revista “Science Advances”, oferecem uma visão fascinante da engenharia romana, mas também podem nos ensinar algo sobre a maneira como usamos o concreto hoje.

Crédito: MIT

O concreto não é tão forte quanto muitos acreditam. Ele pode rachar quando a temperatura está muito quente ou muito fria. E também durante terremotos, devido à sua porosidade.

Quando isso acontece, ele inevitavelmente absorve água, que congela, expande ou simplesmente corrói a estrutura interna, causando ainda mais rachaduras. Segundo estimativas, os custos de manutenção necessários para reparar corrosões ultrapassam US$ 125 bilhões por ano.

A água cola as rachaduras quando elas se formam.

Após três anos de pesquisa, a equipe acredita que o concreto romano seria capaz de reduzir os custos de manutenção e prolongar a vida útil de um edifício. Isso levou à criação de uma nova startup de tecnologia profunda chamada Dmat, lançada pela primeira vez na Itália, há dois anos, e depois nos Estados Unidos, no final de 2022.

O principal produto da Dmat é o D-lime – um concreto que se restaura sozinho e que tem uma vida útil 50% maior do que o concreto tradicional, já que repara pequenas rachaduras, evitando, assim, maior deterioração. O ingrediente principal do D-lime é o óxido de cálcio, ou cal – mas falaremos mais sobre isso daqui a pouco.

No entanto, a equipe da Dmat não fabrica concreto a partir das mesmas técnicas que os romanos utilizavam há dois mil anos. Eles aproveitam os mesmos princípios e os adaptam aos tempos modernos, refinando a receita e aprimorando os aditivos, para maximizar as propriedades de autorreparação do concreto.

Crédito: MIT

Com base nas descobertas dos pesquisadores, o concreto autorreparável pode impedir a infiltração de água, independentemente de se formar rachaduras.

Quando os aglomerados de cal são misturados com cimento e água a uma temperatura muito alta, a água ao redor deles evapora e os aglomerados – que, de outra forma, teriam dissolvido – permanecem no material. Se rachaduras se formarem em um estágio posterior, a água inevitavelmente vazará por elas.

Segundo estimativas, os custos de manutenção necessários para reparar corrosões ultrapassam US$ 125 bilhões por ano.

Só que, em vez de causar problemas como acontece com o concreto tradicional, a água fará com que os aglomerados de cálcio se dissolvam e preencham as rachaduras recém-formadas. “A água cola as rachaduras quando elas se formam”, explica Paolo Sabatini, cofundador e CEO da Dmat.

Esse tipo de concreto seria adequado principalmente para locais onde há interação com a água, como represas, quebra-mares e construções costeiras, diz Admir Masic, professor de engenharia civil e ambiental do MIT e autor do estudo. Mas o D-lime poderia ser usado para uma ampla gama de projetos, como pontes, túneis e casas.

O concreto autorreparável já existe, embora, por enquanto, esteja longe de ser comercializado. Sabatini afirma que o D-lime passou em todas as certificações e testes necessários e estará pronto para ser usado na construção civil “muito em breve”.

O material pode não durar dois milênios, mas, em um mundo onde 33 bilhões de toneladas de concreto são utilizadas todos os anos, é um passo promissor na direção certa.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais