Tecnologia peruana consegue fazer edificações baratas e resistentes a terremotos

Materiais antigos usados nas construções tradicionais não são naturalmente resistentes a terremotos, mas podem ser adaptados

Créditos: Gabriel Bouys/ AFP/ Getty Images

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Toda vez que temos notícia de algum terremoto, alguém repete que "não são os terremotos que matam as pessoas, são os prédios". Infelizmente, isso se confirmou no início deste ano na Turquia e na Síria e, mais recentemente, no Marrocos – países onde milhares de pessoas morreram soterradas sob suas próprias casas.

Por trás da frase de efeito, há um fundo de verdade. No Marrocos, ficou nítida a fragilidade dos tijolos de adobe, um tipo de tijolo feito com terra e fibras vegetais misturados com água, moldado e seco ao ar livre (não vai ao forno como os tijolos tradicionais).

É um tipo de material de construção amplamente utilizado na região e que caracteriza a arquitetura marroquina, responsável por atrair milhões de turistas a cidades como Marrakech,Ouarzazate e Ait Benhaddou. O problema do adobe é que ele é pesado e frágil – portanto, pode se quebrar de uma hora para outra.

As casas de adobe tradicionais também não contam com elementos de suporte que reforçariam a integridade estrutural de uma edificação e impediriam, por exemplo, que o telhado desabasse quando submetido a pressões laterais, como explica Mehrdad Sasani, professor de engenharia civil e ambiental da Northeastern University.

Crédito: Alexi Rosenfeld/ Getty Images

Essa tragédia tem despertado preocupações sobre o futuro das técnicas de construção com adobe. Como escreveu recentemente um estudioso indígena amazigh do sul do Marrocos: "o terremoto mudará para sempre os métodos de construção dessa região do Alto Atlas [no norte da África]. Todo um estilo arquitetônico pode se perder em nome, é claro, da garantia da proteção às vidas das pessoas em caso de futuros terremotos."

CONSTRUÇÕES BARATAS E SUSTENTÁVEIS

Mas isso não precisa ser o fim da linha para o adobe. Trata-se de um material de baixo custo e ecologicamente correto e, embora não seja naturalmente à prova de terremotos, pode ser adaptado. Cerca de 30% da população mundial (e 50% das pessoas nos países em desenvolvimento) mora em estruturas de tijolos feitas de adobe, de terra batida ou de materiais semelhantes.

quando a reconstrução começar, muitos moradores dos vilarejos remotos do Marrocos provavelmente terão que reerguer suas casas por conta própria.

Em geral, o adobe é o material escolhido pelas populações rurais de baixa renda em algumas das regiões mais sujeitas a terremotos do mundo, na América Latina, no Oriente Médio e no subcontinente indiano. 

Na Universidade Católica do Peru, um país onde cerca de 60% das casas são construídas com adobe ou terra batida, os cientistas vêm pesquisando como reforçar a construção com adobe desde a década de 1970. Tudo começou como um experimento no qual vários módulos de adobe foram reforçados com tela de galinheiro.

O estudo evolui para programas de treinamento e gerou kits de ferramentas que ensinam os moradores, especialmente os de vilarejos remotos, a reforçar suas casas de adobe envolvendo as paredes com chapas de malha de arame soldado ou com “geogrelha” – um tipo de grade de plástico moldado que costuma ser usado para estabilizar encostas e evitar a erosão do solo.

De acordo com um artigo apresentado recentemente por pesquisadores da Universidade Católica do Peru, a maioria das casas de adobe que foram reforçadas com malha de arame soldado há 20 anos ainda está de pé, o que sugere que o material pode oferecer proteção de longo prazo contra terremotos para construções do tipo.

SUPERADOBE

Já na região central do México, vários arquitetos testaram e aprovaram o SuperAdobe, uma mistura simples de adobe fortificada com cal e compactada em sacos de areia empilhados uns sobre os outros e amarrados com arame farpado.

O SuperAdobe foi inventado na década de 1980 e, desde então, tem sido usado para construir casas, campos de refugiados e várias estruturas (a maioria delas em forma de abóbada) que resistiram a terremotos de até 7,2 graus de magnitude.

Crédito: Earthworm/ Flickr

Para Sasani, que é natural do Irã, o segredo é entender a cultura local e as práticas de construção. Ele faz referência ao que aconteceu em 1978, depois que um forte terremoto em Tabas, no Irã, matou 11 mil pessoas (85% dos habitantes). 

Até então, a maioria dos edifícios havia sido construída com materiais locais, como terra batida. Mas, em vez de seguir as práticas regionais e reformar essas casas, Sasani conta que aqueles que reconstruíram o vilarejo passaram a usar blocos de concreto.

o adobe é o material escolhido pelas populações rurais de baixa renda em algumas das regiões mais sujeitas a terremotos do mundo.

"Depois de cinco, 10 anos, esses blocos foram parar no meio do deserto e nenhum deles foi usado, porque não servem de nada – a menos que alguém vá até lá e também instale ar-condicionado em todas as casas", ele ironiza. "Isso não é viável nem sustentável."

Por enquanto, é muito cedo para dizer como o povo marroquino reconstruirá suas casas. Mas, quando essa reconstrução começar, muitos moradores dos vilarejos remotos das montanhas do Alto Atlas provavelmente terão que reerguê-las por conta própria, sem a ajuda de um arquiteto. 

Se e quando isso acontecer, diz Sasani, o governo poderia fornecer subsídios para materiais ou, melhor ainda, ensinar as comunidades locais a reformar suas próprias casas, como várias organizações têm feito no Peru.

"Isso sim é sustentável", diz ele. "E pode ter um impacto positivo em todo o mundo."


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais