Teria a Apple deixado de ser uma empresa guiada pela excelência em design?

O lançamento do Vision Pro marca um ponto de virada para a empresa

Créditos: Apple/ vectorpouch/ Freepik

Mark Wilson 4 minutos de leitura

Após quase 20 anos de trabalho, a Apple finalmente revelou seu tão aguardado headset de realidade virtual, o Vision Pro, com um preço de US$ 3,5 mil. Como era de se esperar, os novos óculos impressionam em vários aspectos. Seu design é elegante e seus recursos permitem uma transição suave entre realidade virtual (RV) e realidade aumentada (RA).

Equipado com 12 câmeras, cinco sensores e seis microfones, o sistema pode ser controlado com os olhos, as mãos e a voz. A interface se integra ao ambiente, fazendo com que os aplicativos se comportem como objetos reais, inclusive refletindo a luz. Até as pessoas que passam ao redor parecem se fundir à sua visão quando você está imerso em qualquer tipo de conteúdo.

Crédito: Apple

Para muitos na Apple, o lançamento foi motivo de celebração. Mas, após conversas com diversas fontes que possuem conhecimento sobre o assunto, fiquei com uma impressão diferente. Muitos expressaram preocupação com a atual situação do design dentro da empresa.

Embora a Apple continue com uma equipe incomparável de talentos em design, esses profissionais têm cada vez menos influência na estratégia adotada, e isso está enfraquecendo a posição de liderança da empresa. Como uma fonte me disse: “a Apple não é mais uma empresa guiada pelo design”.

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O QUE DEU ERRADO?

A Apple se tornou a empresa que é hoje por sua capacidade de criar produtos que as pessoas realmente desejam – coisas que todos sentem que precisam, mesmo que não possam pagar por elas. Esse foi o resultado de uma estratégia de produto claramente definida, que reimaginou o que é possível quando se une design e tecnologia.

No entanto, o Vision Pro é um indicador de uma nova era na Apple, liderada mais pela engenharia e operações do que pelo design. Sob o comando de Tim Cook, a empresa tem adotado uma estratégia diferente daquela de Steve Jobs: aproveitar seu tamanho gigantesco para lançar produtos talvez não totalmente desenvolvidos, mas com um núcleo maleável que exigirá anos de reformulação de design e avanços técnicos para se consolidar.

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Com o lançamento do iPhone, a Apple resolveu os principais problemas dos smartphones em relação à experiência do usuário. As mudanças feitas com o passar do tempo o tornaram uma plataforma cada vez melhor, de mil maneiras sutis.

Mas não precisávamos dessas mudanças para perceber o imenso valor de algo que era tão decididamente diferente em sua abordagem. A empresa chegou tarde no mercado de smartphones e, mesmo assim, redefiniu completamente a categoria.

Até o momento, ninguém realmente teve sucesso com RA/ RV, apesar de todos terem criado demonstrações impressionantes de suas tecnologias. Em certa medida, a Apple parece ter superado a concorrência, mas está apenas seguindo o mesmo caminho.

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O Vision Pro tem uma interface semelhante aos concorrentes, com várias pequenas janelas espalhadas, algo que existe nesse espaço há anos. Sua bateria é externa e se liga ao headset por meio de um cabo, já que nem mesmo a Apple consegue superar as leis da física quando se trata de peso e consumo de energia.

Mas isso não significa que ela não possa ter sucesso onde outros falharam; certamente, já o fez antes. No entanto, com base no que foi mostrado, não reimaginou a categoria, como fez com computadores, media players ou smartphones.

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É BOM MAS PODE MELHORAR

O lançamento do Vision Pro parece seguir o mesmo padrão do Apple Watch, um produto com vendas iniciais lentas e sem um propósito bem definido. Com o passar do tempo e o avanço das tecnologias, suas funcionalidades foram se expandindo para incluir recursos de saúde e uma interface mais refinada.

Vale lembrar que, inicialmente, a tela sequer conseguia exibir o mostrador do relógio o dia inteiro. Ou seja, seu dispositivo mais expressivo ficava constantemente desligado. Mas seu design provou ser uma base sólida para melhorias e hoje o Apple Watch é um produto de grande importância para a empresa. É provável que a equipe de liderança esteja esperando que essa estratégia funcione novamente com o Vision Pro.

Crédito: Apple

Apple deixou de ser uma empresa de design. Embora o novo headset seja visualmente superior a qualquer outro lançado pelos seus concorrentes, a Apple nunca teve como objetivo simplesmente superar a concorrência com uma versão ligeiramente melhor do mesmo produto.

Após assistir a uma apresentação de duas horas sobre “o primeiro computador espacial da Apple”, como os executivos o chamaram, ainda não consigo entender exatamente por que ela decidiu produzi-lo, nem por que alguém precisaria comprá-lo.

A Apple sempre se destaca quando apresenta um produto que parece impossível de ser feito de outra forma, que redefine o modo como vivemos, graças a um design elegante e totalmente inovador. E isso acontece porque ela sempre foi uma empresa guiada pela excelência em design, em uma competição constante consigo mesma.


SOBRE O AUTOR

Mark Wilson é redator sênior da Fast Company. Escreve sobre design, tecnologia e cultura há quase 15 anos. saiba mais