Transforme sua casa em um imóvel à prova de fogo

Créditos Cullan Smith/ Luke Stackpoole/ Paul Blenkhorn/ Unsplash

Deborah Ascher Barsnstone 5 minutos de leitura

Caso as emissões de gases de efeito estufa continuem nos mesmos níveis de hoje, até 2030, uma em cada 25 casas na Austrália perderão a cobertura de seguradoras. As inundações representam o maior risco para os imóveis do país, segundo uma nova análise do Climate Council.  

Como professora de arquitetura, concordo que é um dado desesperador, mas está longe de ser surpreendente. As moradias no país são bastante inadequadas para enfrentar os desafios climáticos.

Nos últimos anos, vimos mais de 3 mil casas consumidas pelo fogo durante os mega incêndios que ocorreram entre 2019 e 2020. Mais de 3,6 mil foram destruídas nas recentes inundações na região de New South Wales Northern Rivers .

Construir casas resistentes aos impactos das mudanças climáticas é uma maneira de nos protegermos de futuras catástrofes. Faço parte da equipe responsável por desenvolver o projeto de uma casa resistente a incêndios florestais, que recebeu um prêmio internacional no mês passado.

Esperamos que essa capacidade de resistir a incêndios incentive os proprietários – que de outra forma permaneceriam em suas casas – a fugir em caso de perigo iminente. Para entender melhor como nosso projeto pode um dia se tornar o padrão para novas moradias no país, precisamos compreender os riscos que incêndios florestais oferecem. 

A casa tem uma estrutura de aço reciclado de origem local (Créditos: Deborah Ascher Barnstone)

AS CASAS DE HOJE

A análise feita pelo Climate Council também revela que, nas dez regiões do país mais sujeitas a sofrer com os impactos das mudanças climáticas, uma em cada sete residências perderá a cobertura de seguradoras até 2030, em um cenário com o mesmo volume de emissões que vemos hoje. Esse número representa 25.801 propriedades (27%) em Nicholls, no estado de Victoria, e 22.274 (20%) em Richmond, Nova Gales do Sul.

Os incêndios florestais estão se agravando e já representam um risco alto para milhares de imóveis no leste da Austrália.

O Climate Council aponta que 55% das propriedades em Macquarie, no estado de Nova Gales do Sul, estarão sob risco de incêndios florestais em 2030, caso as emissões não sejam reduzidas. Em 2100, este número saltará para 64%.

A maioria das casas não foi projetada levando em conta os incêndios florestais, já que grande parte foi construída décadas atrás, quando os regulamentos de planejamento e construção ainda não estavam em vigor.

Elas foram construídas com materiais inflamáveis, como madeira e gesso, e possuem calhas, que ajudam a alastrar o fogo para outras partes.

Além disso, esses materiais podem entrar em combustão, levando o incêndio para o interior do imóvel. E muitos estão situados perto de gramíneas e árvores propensas ao fogo. Atualmente, pelo menos 90% das casas em zonas de incêndios florestais correm o risco de serem destruídas.

DESIGN À PROVA DE FOGO

A casa resistente a incêndios florestais que projetamos recebeu o prêmio de primeiro lugar no Solar Decathlon, realizado pelo Laboratório de Energia Renovável do Departamento de Energia dos Estados Unidos.

São três pavilhões que podem ser construídos em momentos diferentes para economizar custos

Ela conta com uma estrutura de aço reciclado de origem local e é construída sobre estacas de concreto armado para minimizar os impactos ao solo. Assim, ajudamos a preservar a biodiversidade local.

O principal material utilizado é terra batida – matérias-primas naturais como terra, giz, cal ou cascalho –, que não é inflamável.

O telhado e os revestimentos são feitos de metal corrugado resistente ao fogo. As fachadas de vidro têm persianas corta-fogo feitas de fibrocimento, um material não inflamável e que pode ser usado para vedar a casa.

O telhado se inclina para dentro para captar a água da chuva. Como é feito de metal corrugado, com formato ondulado, dispensa a necessidade de calhas.

Essas ondulações guiam a água da chuva para dois pequenos reservatórios de detenção abertos de cada lado da entrada e para outro sob a casa. Isso também ajuda a proteger em caso de incêndio florestal, pois impede que o fogo entre por baixo.

Vista do reservatório de detenção

Durante incêndios florestais, o risco de morte é maior quando os proprietários permanecem em suas casas. Um design resistente pode incentivar os moradores a fugir em caso de perigo iminente.

Mas é importante ressaltar que não se trata de um bunker para as pessoas buscarem abrigo. Não importa quão bem projetada seja uma casa, é sempre extremamente perigoso permanecer nela quando um incêndio ocorre, sobretudo, nas condições catastróficas e extremas que estamos vivenciando cada vez mais.

ÓTIMO CUSTO-BENEFÍCIO

O custo estimado da construção está entre A$ 400 mil e A$ 450 mil (cerca de US$ 283 mil a US$ 319 mil, ou R$ 1,4 milhão a R$ 1,6 milhão). Implementamos várias estratégias para mantê-lo baixo: 

  • A casa foi projetada para ser autossuficiente em termos de energia e água, portanto, não precisa ser atendida por serviços públicos da cidade
  • Ela é feita a partir de técnicas de construção comuns, com chapas, logo, não exige profissionais especializados e não há desperdício de material
  • O material utilizado (terra batida) pode ser adquirido facilmente ou até graça. Mas também incentivamos o uso de materiais reciclados sempre que possível.

Esteticamente falando, seu design é elegante e flexível o suficiente para ser adaptado a praticamente qualquer região ou terreno.

O imóvel tem espaços abertos tanto na área externa quanto interna

O próximo passo será construir e testar um protótipo da casa para que possamos avaliar seu desempenho e fazer melhorias.

Com as mudanças climáticas e desastres cada vez mais devastadores, a Austrália precisa estar preparada  para lidar com estes desafios. Uma arquitetura inovadora como a nossa oferece um caminho para que casas e bens preciosos sobrevivam a catástrofes futuras.


SOBRE A AUTORA

Deborah Ascher Barnstone é professora e diretora da Escola de Arquitetura da Universidade de Tecnologia de Sydney. saiba mais