Uma poderosa plataforma para estilistas ucranianos
Uma especialista em moda está trabalhando para oferecer uma tábua de salvação para as marcas da Ucrânia
A fashionista Jen Sidary estava jantando em um restaurante em Nova York quando recebeu uma mensagem em seu telefone: a Rússia havia invadido a Ucrânia. Era 24 de fevereiro e Sidary, que já tinha longa carreira na moda, estava no meio de um trabalho de apresentação de marcas ucranianas na Semana de Moda de Nova York. Quando ela voltou para seu quarto de hotel naquela noite, se perguntou: “quem é que vai fazer um pedido de um país em guerra?”.
No último dia daquela semana de moda, Sidary partiu para Los Angeles carregando todas as coleções e acompanhada da estilista ucraniana Valery Kovalska. Valery passaria o mês seguinte no apartamento de um quarto de Sidary, dormindo no sofá. Tinha ficado evidente que aqueles designers de moda precisavam de apoio logístico e de alguma forma de aumentar as vendas – rápido.
Sidary criou um site de comércio eletrônico que apresenta produtos selecionados das marcas de moda ucranianas mais sofisticadas e impulsiona suas vendas globais. Hospedado no endereço angelforfashion.com, o site foi lançado pouco mais de um mês após a invasão da Rússia, com mais de 800 produtos de mais de 30 marcas.
Eles despacham as mercadorias para países de todo o mundo (exceto Rússia e Bielorrússia) vendendo de tudo, desde peças de joalheria de US$ 100 até máscaras personalizadas por milhares de dólares.
Pouco mais de sete meses depois, Sidary, com uma bolsa do Programa de Economia Competitiva da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), liderou um coletivo de seis marcas ucranianas na Semana de Moda de Paris. Ele apresentou o melhor da indústria da moda da Ucrânia e o que os designers conseguiram criar.
Anos atrás, ela nunca conseguiria se imaginar em uma situação como essa, muito menos trabalhando na Ucrânia.
Sidary passou a maior parte de sua carreira na Zappos.com, antes de se tornar presidente de vendas da Vivienne Westwood America. Começou a trabalhar como consultora, mas, quando a Covid-19 a deixou sem trabalho, resolveu acompanhar uma amiga até a Ucrânia em novembro de 2020, em busca de outras oportunidades.
Não demorou muito para que a indústria da moda a puxasse de volta. “Poderia ter feito uma viagem divertida, mas essa decisão mudou minha vida para sempre”, diz Sidary. “Eu nem sabia, depois de 30 anos nesta indústria, que havia tanto talento naquele país.”
PROJETOS ENTRE OS ESCOMBROS
Desde que a guerra começou, os designers ucranianos perderam entre 60% e 90% de suas vendas. Isso tornou o trabalho de Sidary ainda mais delicado.
Ivan Frolov é um dos designers atualmente em destaque na Paris Fashion Week. Fundador e diretor criativo da marca homônima, Frolov estava apresentando seu trabalho na Semana de Moda de Nova York em fevereiro, justamente quando a guerra eclodiu.
Seu centro de produção fica no centro da capital, Kiev. Após a invasão, Frolov interrompeu a produção por cerca de um mês. Eventualmente, a equipe de 35 funcionários retomou o trabalho, embora as sirenes tenham se tornado parte de seu cotidiano.
A guerra mudou drasticamente os negócios do designer, pois algumas operações foram alteradas para apoiar o esforço de guerra. O exército ucraniano precisava de coletes, de uniformes feitos com medidas especiais e de porta-foguetes — e Frolov os produziu e forneceu.
A marca chegou a lançar um projeto de caridade chamado Frolov Heart, cujo lucro vai para entidades de apoio a crianças ucranianas que perderam os pais. Os moletons e camisetas apresentam corações bordados à mão, feitos por artesãos locais nas cores azul e dourado da Ucrânia.
“O bordado feito à mão é como o DNA da cultura ucraniana”, diz Frolov. Toda a sua produção permanece no país. “É muito importante dar às pessoas a oportunidade de continuar trabalhando.”
Para designers como Frolov, não foram apenas os produtos que mudaram, mas também todo o processo de envio. Sidary explica que envia por terra todos os seus produtos na Ucrânia, já que atualmente viagens aéreas não são permitidas. Assim que chegam à Polônia, alguma empresa, como a FedEx, leva os pacotes por via aérea e os entrega ao cliente.
Esse ajuste se mostrou essencial para algumas marcas como Chereshnivska, diz a proprietária e designer Iryna Kokhana. Antes da guerra, 97% das vendas vinham da Ucrânia. Mas Kokhana rapidamente percebeu a necessidade de se ajustar a um público mais global e relançou o site com preços em outras moedas.
O frenesi da mídia e o apoio generalizado que se seguiram à sua vitrine na Semana de Moda de Nova York deste ano ajudaram. Kokhana credita à USAID e a Sidary a salvação de seus negócios.
Mesmo assim, os desafios persistiram. Com contas bancárias congeladas na Ucrânia, ela se preocupava com dívidas crescentes e pagamento de impostos. A equipe foi reduzida de nove para quatro pessoas depois que alguns trabalhadores deixaram o país e não foram substituídos.
A própria Kokhana mudou-se para Londres e gerencia remotamente a equipe na Ucrânia. Durante as reuniões, ela consegue escutar os alarmes aéreos do outro lado da linha.
Na esperança de ganhar uma visibilidade muito necessária na capital mundial da moda, Sidary e os designers montaram o coletivo em questão de semanas. No primeiro dia, mal dava para andar dentro do espaço, de tão lotado. Alguns grandes nomes do setor visitaram o coletivo.
Meses depois, a guerra continua. Alertas de notícias da Ucrânia continuam inundando os celulares e designers ucranianos ainda buscam apoio para seguir em seus esforços. Na próxima temporada, Sidary espera trazer ainda mais visibilidade para a moda ucraniana, possivelmente acrescentando mais marcas e visitando mais cidades do país.