Uma sala de aula “inteligente” desenhada para aprimorar a aprendizagem

Instalar sensores em salas de aula apenas transforma a rotina escolar em um Big Brother ou realmente contribui para o aprendizado?

Crédito: Danish Kurani

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Em um mundo onde tudo é inteligente – celulares, relógios, TVs e até bengalas –, era apenas uma questão de tempo até que as salas de aula também se tornassem.

A Academy for College Preparation & Career Exploration, uma escola localizada no bairro do Brooklyn, em Nova York, criou uma sala “inteligente” para alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio.

A sala conta com uma pequena biblioteca, assentos confortáveis para leitura e cabines individuais de estudo. Também é equipada com um tablet que serve como painel de controle e dois sensores em cada parede.

Crédito: Danish Kurani

Os sensores podem rastrear com que frequência os alunos falam, a qualidade de suas conversas, as palavras que usam e quantos deles estão falando durante a aula. É importante ressaltar que eles não são capazes de identificar alunos específicos, apenas o número de vozes, o que ajuda a proteger a privacidade dos estudantes.

“Funciona como um aplicativo de monitoramento para sala de aula”, explica Danish Kurani, que tem um escritório de arquitetura de mesmo nome e que projetou a sala.

Crédito: Danish Kurani

A escola decidiu procurá-lo porque, há cinco anos, identificou lacunas na formação dos alunos, muitos dos quais falam inglês como segunda língua. Para tentar resolver o problema, a instituição começou a monitorar o progresso dos estudantes por meio de atividades e avaliações a cada seis semanas. “Isso ajudou bastante”, conta Joan Mosely, diretora da escola. 

No entanto, ela acredita que a tecnologia de Kurani pode levar as coisas a um novo patamar, permitindo monitorar o desempenho dos alunos diariamente e usar esses dados para tomar decisões informadas sobre como ensiná-los melhor. “Os professores costumam descobrir como seus alunos estão se saindo tarde demais”, argumenta Mosely.

Crédito: Danish Kurani

À primeira vista, a ideia de uma sala de aula com vigilância constante, em que cada palavra é registrada, pode parecer controversa, mas esse conceito não é novo.

Em 2019, por exemplo, a Universidade Carnegie Mellon desenvolveu um sistema chamado EduSense, capaz de rastrear aspectos como a postura (um indicador de envolvimento) ou quanto tempo os professores esperam antes de chamar a atenção dos alunos. Ele foi testado em 45 salas de aula em três universidades.

De acordo com Andreas Schleicher, pesquisador que é atualmente diretor de educação e habilidades na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sediada em Paris, a tecnologia, se aplicada de forma correta, tem o potencial de ajudar os professores a ficarem mais sintonizados com as necessidades dos alunos.

“A grande vantagem, para mim, é que os professores não são escravos desses algoritmos, mas sim os designers por trás dele”, acrescenta.

Crédito: Danish Kurani

Kurani desenvolveu a tecnologia junto com a escola, ou seja, os professores foram, de fato, os designers da sala de aula “inteligente”. Antes de instalar os sensores, ele e um cientista da computação da Universidade Wesleyan testaram um protótipo no laboratório do campus para se certificar de que poderia capturar, identificar e transcrever corretamente várias vozes.

Para Kurani, isso pode servir como uma ferramenta de ensino para que os professores tenham mais consciência e informações sobre seus alunos, sobre o impacto do que ensinam ou mesmo sobre o interesse dos estudantes pela matéria.

Podem, por exemplo, informá-los de que apenas dois ou três alunos estão respondendo em um determinado momento, o que poderia sugerir que outros não se sentem à vontade para fazer o mesmo ou não estão prestando atenção.

Crédito: Danish Kurani

Existem várias razões pelas quais isso pode acontecer, desde uma disposição ruim das carteiras, que não estimula a discussão, até um tema monótono ou irrelevante. O objetivo é promover “um momento de autorreflexão”, ressalta Kurani, que deu aula nas universidades de Stanford e Harvard.

“Talvez eu, como professor, esteja abordando mais coisas do que os alunos conseguem acompanhar. Talvez não esteja criando as condições para um aprendizado baseado em discussão. Talvez o formato da aula não seja convidativo para os alunos.” Sim, eu sei que são muitos “talvez”, mas o ensino é inerentemente cheio de incertezas.

É importante lembrar que os sensores são apenas parte de um design de sala de aula mais holístico, no qual cada elemento trabalha junto para melhorar a formação dos alunos.

A biblioteca da sala conta com livros e revistas escolhidos pelos próprios estudantes e jogos focados em linguagem. Além disso, na entrada, há um papel de parede feito sob medida para ajudá-los a aumentar seu vocabulário.

Em última análise, a ideia é que a tecnologia possa dar aos professores mais clareza e conhecimento sobre si mesmos e sobre seus alunos, o que, por sua vez, pode ajudar a abrir caminho para um ambiente de ensino mais flexível.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais