Uma tinta vermelha fabricada com sangue doado por homens gays

A Gay Blood Collection foi criada para protestar contra uma regra que impõe limites à doação de sangue por homens gays

Crédito: Mother Goods

Elissaveta M. Brandon 3 minutos de leitura

Em 2018, uma equipe criativa imprimiu camisetas com tinta feita com sangue de homens gays. A iniciativa “Sangue é sangue” foi criada para protestar contra uma controversa regra da Food and Drug Administration (agência reguladora de medicaentos e alimentos dos EUA). Estabelecida no auge da crise da AIDS, essa regra proibia homens que fazem sexo com homens (HSH) de doar sangue.

A política foi atualizada em 2015 e novamente em 2020, mas ainda há limitações sobre se homens gays e bissexuais podem doar sangue. Hoje, parece que a FDA ainda considera um homem gay uma ameaça maior ao suprimento de sangue do que um homem heterossexual que tenha sido tratado para clamídia ou herpes genital.

Crédito: Mother Good

É por isso que a mesma equipe criativa, composta pela agência Mother e pelo artista Stuart Semple, lançou uma coleção inteira de tintas, também feitas de sangue de verdade. A Gay Blood Collection (Coleção com Sangue Gay) inclui uma caneta-tinteiro, tinta de serigrafia, tinta acrílica, tinta spray e um marcador, tudo no mesmo tom vermelho escuro.

Crédito: Mother Good

Variando de US$ 30 a US$ 200 cada, os itens da coleção foram projetados para serem ferramentas de protesto para as pessoas imprimirem camisetas, pintarem cartazes de protesto e/ou assinarem petições para lutar contra as políticas homofóbicas e desatualizadas da FDA.

Em um esforço para apoiar as pessoas afetadas por essa política, toda a renda será destinada ao centro comunitário de saúde Callen-Lorde, um centro de cuidados primários com sede em Nova York que atende comunidades LGBTQ.

Crédito: Mother Good

Os ativistas há muito usam a cor como forma de protesto político. Nos Estados Unidos, milhares de mulheres usaram chapéus rosa para protestar contra a misoginia de Trump depois que ele se tornou presidente. No México, todos os anos, no Dia Internacional da Mulher, as mulheres marcham contra a violência vestindo roxo, uma cor há muito associada aos movimentos feministas. E no Irã, manifestantes, vestidos de verde, saíram às ruas para protestar contra as eleições de 2009 no que ficou conhecido como Revolução Verde.

Agora, Semple e Mother estão se voltando para a cor mais fundamental de todas: vermelho-sangue. “A cor é emotiva. Passe algum tempo olhando para uma obra de Van Gogh ou de Rothko, você sente alguma coisa”, diz Semple.

Ele é conhecido por democratizar a cor ao clonar a marca registrada Tiffany Azul e replicar o Vantablack, o preto mais preto do mundo, depois que o artista Anish Kapoor garantiu direitos exclusivos sobre a cor.

“Quando olhamos essas maravilhosas marchas femininas, com aquela cor rosa brilhante naquelas bandeiras – alguém consegue imaginar a cena sendo tão potente sem essa cor?”

Crédito: Mother Good

Com a Gay Blood Collection, no entanto, a ideia transcende a cor. “Meu sangue e seu sangue não são muito diferentes”, diz Semple. “Nosso sangue pode até ser roxo. O ponto é que todos temos as mesmas coisas passando por nós.”

Curiosamente, Semple diz que o sangue não é um corante eficaz, pelo menos não nas quantidades necessárias para criar tinta de alta qualidade. Se armazenado incorretamente, pode desenvolver bactérias nocivas e, quando exposto ao ar, fica marrom.

Muito sangue na tinta também pode afetar a consistência e a viscosidade do produto. Assim, no caso da tinta acrílica, a equipe teve que “encapsular” pequenas quantidades dentro de aglutinantes de resina.

Crédito: Mother Good

Para imitar a cor do sangue, eles usaram uma mistura de pigmentos, tanto minerais quanto sintéticos. Quanto ao sangue de verdade, o propósito é mais simbólico do que prático. “Você está pintando com o sangue de uma pessoa criativa que doou”, diz Semple. “Não estou contando com isso para aumentar a cor ou fixá-la, mas para transmitir um significado.”

Vale a pena notar que a Gay Blood Collection foi lançada no mesmo ano em que a Cruz Vermelha Americana declarou que passa pela pior escassez de sangue em mais de uma década.

Se a política desatualizada e discriminatória da FDA fosse eliminada, mais de 600 mil litros de sangue poderiam ser adicionados ao sistema a cada ano. Talvez esse número incompreensível devesse ser pintado em uma placa de protesto – em vermelho-sangue, é claro.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais