Visual “bailarina” que está em alta tem 200 anos e nunca saiu de moda

De Chanel a Amy Winehouse, a história por trás do estilo que conquistou o TikTok

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Tamsin McLaren 5 minutos de leitura

Balletcore – ou visual “bailarina” – é a tendência da moda inspirada nos figurinos tradicionais dos artistas de balé. Em alta desde 2022, ela agora serve de inspiração para as coleções primavera/verão de estilistas como Molly Goddard e Simone Rocha. 

A tendência é inspirada nas roupas práticas e funcionais usadas no dia a dia de uma bailarina – parte do treinamento disciplinado e do ritual dessa forma de arte. Pense em bodies, cardigãs transpassados, saias de tule, leggings e sapatilhas de balé.

Na verdade, essa moda é um novo momento de uma longa história de estilistas inspirados pela arte do balé. Seu apelo contínuo talvez se deva à sua acessibilidade. Com sinais visuais tão fortes, essa estética pode ser facilmente copiada com peças vintage e de segunda mão.

Por causa de suas cores e silhuetas suaves, o estilo bailarina é frequentemente associado a noções tradicionais de feminilidade, graça, controle, sofisticação e disciplina. Mas nem sempre foi assim. A bailarina já foi considerada uma figura “imoral”.

Originalmente, o balé era praticado por aristocratas do sexo masculino. Foi só no século 18 e início do século 19 que passou a ser dominado por mulheres. Para permitir a amplitude de movimentos e para que o público pudesse apreciar o intrincado trabalho de pés da dançarina, as bainhas das saias eram encurtadas e as silhuetas enfatizavam a forma feminina. Esses fatores reforçaram a percepção de que se apresentar no palco não era uma coisa respeitável.

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O início do século 20 foi um importante ponto de inflexão na percepção do balé e de sua relação com a moda. Entre 1910 e 1929, o Balé Russo, sediado em Paris, representou o balé moderno em sua forma mais inovadora, e isso foi extremamente impactante para estilistas como Paul Poiret.

Poiret e sua colega estilista Gabrielle “Coco” Chanel eram altamente competitivos. Ambos se inspiraram nas criações exóticas do figurinista chefe da companhia, Leon Bakst. Mais tarde, Chanel passou a desenhar para a empresa e as silhuetas soltas e os tecidos leves e delicados usados pelos dançarinos do Balé Russo tornaram-se parte de seu estilo característico. 

Cena do espetáculo “Gabrielle Chanel”, sobre a vida e obra da estilista (Crédito: Divulgação)

O abandono dos espartilhos tradicionais permitiu maior liberdade de movimento e foi uma influência significativa para os principais estilistas parisienses da época.

Essa influência continuou ao longo do século por alguns motivos muito práticos. Durante e após a Segunda Guerra Mundial, roupas e calçados foram racionados, fazendo com que o uso criativo de roupas e materiais, junto com a reciclagem, fosse necessário e encorajado.

As roupas de dança e as esportivas não eram racionadas da mesma forma que os trajes civis. Isso fez com que os tecidos e as roupas de balé se tornassem populares entre os principais designers de moda, como Claire McCardell.

Durante seu treinamento na Parsons School, em Paris, McCardell teve acesso às provas da Chanel, que ela podia desconstruir e esboçar,o que a ajudou a moldar seu espírito criativo. Ela é reconhecida como uma das estilistas responsáveis pelo visual moderno do sportswear norte-americano, estabelecendo as bases para estilistas como Diane Von Furstenberg e Donna Karan.

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Na década de 1940, a editora da Harper's Bazaar, Diana Vreeland, publicou artigos sobre o uso de sapatilhas de balé como calçados da moda cotidiana. McCardell levou isso a outro patamar, trabalhando diretamente com a marca de roupas de dança Capezio para produzir sapatos em tecidos que combinassem com suas roupas.

Audrey Hepburn, 1952 (Crédito: Wiki Commons)

Essa adoção de roupas de balé continuou nas décadas de 1950 e 1960 nas roupas usadas pelas mulheres “beatniks”. “Beatniks” era originalmente um termo pejorativo, cunhado em 1958 para descrever uma geração de jovens pós-Segunda Guerra Mundial que evitava valores tradicionais e roupas formais. O movimento foi uma reação contra o consumismo e valorizava a individualidade e a liberdade de expressão, refletindo seus valores da contracultura. 

As mulheres beatnik usavam um “uniforme” de jeans pretos, calças capri, gola polo, cardigãs de balé enrolados e sapatilhas de balé. Sua descontração ainda prevalece hoje, com a popularidade desses estilos agora clássicos.

Esse movimento de contracultura foi extremamente importante para influenciar o design de figurinos e os estilos de estrelas de Hollywood, como Audrey Hepburn e Grace Kelly, que depois se tornaram mais populares.

Cindy Lauper (Crédito: Reprodução/ Pinterest)

No início da década de 1980, o tutu foi adotado pela cantora Cyndi Lauper como parte de seu visual iconoclasta no palco. Isso pode ter inspirado as ideias da figurinista Patricia Field para os créditos de abertura do programa de TV “Sex and the City” (1988), que mostrava a protagonista Carrie Bradshaw desfilando pelas ruas da cidade usando um tutu.

Field comprou a peça por apenas US$ 5 em uma feira de descontos do bairro das confecções. Recentemente, ele foi vendido em um leilão por US$ 52 mil. 

Sarah Jessica Parker na abertura de "Sex and the City" (Crédito: HBO)

O patrimônio cultural e financeiro criado por essa única peça de roupa mostra o poder do balé e como essa forma de arte foi adotada e subvertida ao longo do tempo. O mesmo vale para as sapatilhas de balé usadas pela cantora Amy Winehouse e o vestido de tule Molly Goddard usado por Jody Comer na série "Killing Eve", simbolizando a rebeldia feminina e o inconformismo.

Jody Comer na série "Killing Eve" (Crédito: BBC America)

O balletcore continua a se transformar e evoluir. Em 2024, foi uma das tendências mais procuradas na plataforma de revenda Depop. Sua forma de arte perdura, inspirando a moda e o estilo de várias gerações.


SOBRE A AUTORA

Tamsin McLaren é professora de marketing na Escola de Administração da Universidade de Bath. saiba mais