A alimentação na agenda política e soluções escaláveis contra a fome
Estamos nos aproximando do primeiro turno das eleições, em 2 de outubro, e do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro – mesmo dia da criação da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), nos anos 1980.
E o que uma data tem a ver com a outra? Neste ano tão crucial para o Brasil, absolutamente tudo. Chegamos a 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no país. Mais do que nunca, comer virou também um ato político. A comida virou símbolo de ativismo.
Erradicar a fome no mundo até 2030 é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Uma meta cada vez mais distante, se pensarmos que quase 10% da população do planeta (828 milhões de pessoas) não tem o que comer diariamente.
Nada mais coerente, portanto, que o chamado da FAO por uma ação coletiva no Dia Mundial da Alimentação de 2022: “governos, setor privado, academia, sociedade civil e indivíduos precisam trabalhar juntos em solidariedade para priorizar o direito de todas as pessoas à alimentação, nutrição, paz e igualdade”.
a fome não é um problema natural, e sim fruto da ausência do Estado.
Ampliar o alcance dessa missão coletiva é o nosso objetivo desde 2018, quando fundamos o Social Gastronomy Movement. O projeto começou incubado na Gastromotiva. Durante dois anos, promovemos encontros para debater a gastronomia social em diferentes cidades e países, que mobilizaram centenas de pessoas.
Em 2020, o movimento se transformou em uma organização social com sede na Suíça. Desde então, é uma comunidade internacional atuante e engajada com mais de 200 ONGs, chefs, ativistas e empreendedores de 60 países dos cinco continentes, trabalhando pelos sistemas alimentares em seus territórios.
INICIATIVAS DE COMBATE À FOME
No Brasil, em resposta ao desmonte das políticas públicas dos últimos anos que garantiam a segurança alimentar das pessoas em situação de vulnerabilidade, vi surgirem projetos, parcerias e pesquisas de diversos setores da sociedade com foco em soluções (muitas delas escaláveis) para o combate à fome. Cito algumas aqui:
● Um software que está sendo desenvolvido pelo Centro de Inteligência Artificial da USP para mapear as regiões que precisam de infraestrutura para o fornecimento de alimentos.
● A plataforma Sampa + Rural, iniciativa da prefeitura de São Paulo que conecta chefs de restaurantes e agricultores, abrindo caminho para um comércio justo e facilitando a logística e o escoamento da produção.
● A parceria entre a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro e a UFRJ para a criação do Mapa da Fome da cidade, que vai orientar o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas às regiões de maior vulnerabilidade.
● A adoção dos sistemas agroflorestais pelos produtores rurais da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, para tornar as propriedades mais produtivas e com mais diversidade de alimentos para as famílias.
● As foodtechs que estão ajudando a combater o desperdício de alimentos, como Fruta Imperfeita, Restin e Gastronomia Periférica.
● A criação da cátedra Josué de Castro, um espaço interdisciplinar da Faculdade de Saúde Pública da USP, que está entre as melhores fontes de reflexão e estudo sobre sistemas alimentares do país.
Como escreveu Josué de Castro em seu clássico “Geografia da fome: o dilema brasileiro, pão ou aço”, publicado há 75 anos, a fome não é um problema natural, e sim fruto da ausência do Estado.
Recentemente foi lançado o livro "Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro", organizado por Tereza Campello e Ana Paula Bortoletto, que atualiza as análises da obra original. É a publicação mais completa e aprofundada para quem quer entender o histórico da fome no Brasil.
Os exemplos de ações e projetos da sociedade civil organizada, das universidades e das empresas em torno de um objetivo comum mostram que as soluções existem e são fruto de uma mobilização coletiva. Para este dilema brasileiro ser solucionado, falta uma das peças essenciais da engrenagem: o Estado. Que em outubro nos lembremos disso.