A digitalização do ego

Usamos, ficamos biologicamente viciados e chegamos a passar dias e meses enganchados nas redes sociais

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Genesson Honorato 3 minutos de leitura

Algumas pessoas dizem estar abstinentes, outras felizes. Algumas dizem que finalmente voltaram a ouvir os pássaros cantando. Agora, podem olhar nos olhos da moça da padaria e sentir o ar mais leve. Mas tudo isso por causa de uma rede social – o X (ex-Twitter) que foi banido do território nacional?

Afora as discussões políticas e jurídicas que vêm agitando o debate, quero falar sobre a importância de perceber as redes e como estamos vivenciado esses "espaços". 

Ao longo do tempo, a gente viu as redes sociais chegando e ocupando espaço. Quem se lembra do Orkut ou do MySpace? Aí chega o Facebook, que, bem no início, ainda não era monetizado. Reza a lenda que houve uma discussão entre os fundadores e os investidores iniciais sobre o momento de monetizar ou não a plataforma. Aqui havia uma outra pista do que estava por vir.

Lembro de pessoas me perguntando de qual maneira o Facebook ganhava dinheiro – sim, no início a coisa não fazia tanto sentido. Era só uma rede social para se conectar com pessoas que a gente não via há muito tempo, e isso tudo de graça. Será?

Lá se vão 20 anos desde o lançamento do Orkut. De lá para cá, muita coisa já aconteceu. Redes novas surgiram e, com elas, mais uma vez, a novidade. Ainda sou do tempo em que o Instagram nem aceitava vídeos, muito menos vídeos longos, não havia stories, nem Reels, nem destaques, nem chat! 

Com o tempo, com a mágica do scroll infinito, as coisas foram acelerando. Essa aceleração foi reinaugurada com o surgimento do Tiktok. Vídeos curtos, dancinhas e tudo o mais que se imaginar. Adicione a isso a magia da rolagem infinita e, voilá, todo mundo viciado.

Fomos descobrindo aos poucos como as big techs ganham dinheiro. Tudo isso era, na verdade, o processo de configuração da economia da atenção em seu modo mais visceral. A máxima "se o serviço é de graça o produto é você" faz cada dia mais sentido. 

Um dos motivos de estarmos enganchados nas telas é porque há a falsa ideia de que aquele perfil é nosso.

Fico me perguntando se esse era o plano desde o início. Ou seja, falar da era dos dados mas não falar da maneira como esses dados seriam capturados. Anna Bentes e Fernanda Bruno, doutoras pesquisadoras do MediaLab da UFRJ, sugerem em um dos seus artigos que vivemos uma "economia psíquica dos algoritmos".

Nós usamos, ficamos biologicamente viciados e chegamos a passar dias e meses enganchados nas redes. Enquanto isso, nossos dados de comportamento, interesses, saúde e estado mental são capturados e processados em grandes servidores alocados em lugares que não sabemos onde ficam, a milhares de quilômetros de nós – em um lugar que chamamos de nuvem, ou seja, que você não pode tocar com as mãos.

Faço algumas reflexões sobre as novas tecnologias e os impactos desses artefatos em nossa vida cotidiana. Um desses insights é sobre a gente já estar vivendo no metaverso. E aqui faço referência à ideia do título desta coluna. 

Um dos motivos de estarmos enganchados nas telas é porque há a falsa ideia de que aquele perfil é nosso. O que as redes estão fazendo é a digitalização do nosso ego, com a "avatarização" da nossa existência.

Crédito: Captura de tela/ Instagram @lensa.ai

O "como estou me sentindo" que ficava no topo do Facebook nos convidando a falar sobre nosso sentimento naquele momento faz parte dessa digitalização em massa da nossa existência. Vivemos nesse lugar que existe mas não existe, e fazemos isso para alimentar nosso ego digital. 

Se esse é um "espaço" onde "existimos", temos ali um "território". Por esse motivo vemos tanto frisson com o bloqueio do X. Porque, por vezes, não se trata de uma rede, é "o meu espaço, o meu avatar". Daí a quantidade de memes sobre saudade, a sensação de voltar ao tempo das cavernas ou ainda sobre voltar a prestar atenção em si mesmo e no mundo ao redor.

Espero que a gente aproveite essa oportunidade. Olhos nos olhos.


SOBRE O AUTOR

Genesson Honorato é psicólogo com olhar para a psicanálise, tem formação em Marketing e Design Digital pela ESPM e MBA em inovação pel... saiba mais