A exaustão de se manter relevante todos os dias

Não estamos apenas compartilhando nossas vidas, estamos editando versões que nos esgotam enquanto tentam nos validar

Créditos: Khosrork/ puhimec/ Getty Images

Genesson Honorato 3 minutos de leitura

Não basta mais existir: é preciso performar conhecimento, corpo saudável, barriga de tanquinho e participar da última trend. O que acontece quando a vida vira um palco compulsório de relevância ininterrupta?

Foi-se o tempo em que nossas experiências cabiam a nós e a poucos familiares e pessoas próximas. As férias naquele lugar incrível eram vividas no presente, à medida que aconteciam. Os pratos em restaurantes eram apenas bem apresentados, sofisticados por si só e logo viravam a bagunça natural de quem está ali para comer, não para registrar.

Mas, na maior parte do tempo, o que a gente mais fazia, sem holofotes, likes e comentários, era estudar para passar de ano e trabalhar para pagar as contas.

Vivíamos uma vida de memórias, apenas as que marcaram o suficiente para permanecer vivas nas sinapses. Tínhamos apenas uma vida para dar conta, um único avatar, um único ego. Nosso tempo era o quando, o tempo de uma carta que se escrevia, enviava e esperava o tempo dela chegar, o tempo que não se controla.

E agora?

Entrou nosso ego digital, que não dorme, não sente fome, não tem preocupações, está disponível 100%, está sempre bem, não paga contas, é inteligente e não perde nada, está em todos os lugares.

Isso aliás me faz lembrar o "Poema em Linha Reta", de Fernando Pessoa, onde ele diz “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”

Esse fragmento me remete diretamente ao que vivemos hoje em nosso território digital: a obrigação de se manter relevante, de ser campeão em tudo, de estar atual, na moda, de não sumir. Parece que a comparação sempre existiu, mas algo me diz que hoje é maior, num ponto de, às vezes, competirmos com nós mesmos e nossos egos digitais.

Isso me faz pensar que a internet deixou de ser uma ferramenta externa. Ela passou a habitar nossos pensamentos, ocupar nosso tempo, moldar nossos ritmos. A obrigação de ser relevante, de estar "atual", já não vem de fora – vem de dentro, como uma urgência internalizada que nunca desliga.

Crédito: Istock

Se atualizar o tempo todo para não perder lugar: a sensação de que alguém mais jovem, mais rápido ou mais conectado vai ocupar seu espaço se você não estiver 100% atualizado.

Essa urgência constante de atualização nos impôs dilemas profundos: pessoais, sociais, familiares, de saúde, de trabalho. Mas talvez o mais grave deles seja a fuga do presente, trocado por um futuro inexistente, vazio e anestesiante.

E quando, enfim, pensamos em descansar, a culpa. Pausas são vistas como fraqueza ou desatualização. O descanso, mais um item da planilha de performance.

Segundo uma pesquisa da Deloitte, um em cada três jovens da geração Z relata sentir ansiedade “quase sempre” por causa das redes sociais. Outro dado, da Global Web Index, mostra que mais de 40% dos usuários dizem sentir “pressão para parecer bem-sucedido” online.

Nosso ego digital não dorme, não sente fome, não tem preocupações e está em todos os lugares.

Ou seja, não estamos apenas compartilhando nossas vidas, estamos editando versões que nos esgotam enquanto tentam nos validar.

Mas, se todo mundo está cansado de performar, de tentar se manter relevante, quem é que está assistindo?

O palco segue montado. Só que talvez esteja na hora de apagar um pouco as luzes, baixar o som e lembrar que a vida, para ser realmente vivida, precisa acontecer fora da timeline. Falei um pouco disso, da sobrecarga sensorial,  na minha última coluna aqui na Fast Company. Relevância não é presença constante. É presença consciente.

Talvez a verdadeira atualização que precisamos agora não esteja no feed. Esteja no toque, na pausa, naquilo que não se pode salvar na nuvem.

Até a próxima!


SOBRE O AUTOR

Genesson Honorato é psicólogo com olhar para a psicanálise, tem formação em Marketing e Design Digital pela ESPM e MBA em inovação pel... saiba mais