A fórmula que você usa todo dia (e que nasceu num supermercado)

A lógica da Fórmula Sainsbury, de otimizar um recurso escasso, continua perfeita. No caso da mídia, o que mudou foi o recurso

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Guido Sarti 4 minutos de leitura

Você abre a planilha e ela está lá. Imponente. A célula que calcula o alcance combinado da sua campanha. TV, 40%. Digital, 30%. Rádio, 25%. Você aplica a fórmula e, como mágica, o resultado aparece: 68,5%. Não os 95% que uma soma ingênua sugeriria. A sobreposição foi descontada. O número parece realista. Parece seguro.

Mas você já parou para pensar no que realmente está por trás desse cálculo? Essa fórmula, que parece tão intrínseca ao planejamento de mídia quanto o cheiro de café na agência, tem um nome: Sainsbury. E a ironia é que ela nasceu, sim, em um supermercado. Mas não da forma como a lenda corporativa costuma contar.

Nos anos 1970, enquanto agências de publicidade ainda calculavam alcance na mão, uma solução elegante veio de um lugar improvável: a Sainsbury's, uma rede de supermercados britânica.

Eles desenvolveram uma fórmula matemática que resolveria um dos maiores desafios do planejamento de mídia: como somar alcances sem contar a mesma pessoa duas vezes. Décadas depois, essa fórmula ainda é usada diariamente por planejadores que nem sabem de onde ela veio.

A MÁGICA POR TRÁS DO CÁLCULO

A fórmula que você usa faz algo contraintuitivo. Em vez de somar alcances, ela multiplica as chances de não ser visto.

Funciona assim. Você tem sua campanha:

  • TV: 40% de alcance (0.40)
  • Rádio: 25% de alcance (0.25)
  • Digital: 30% de alcance (0.30)

Primeiro, a fórmula calcula a probabilidade de uma pessoa escapar de cada canal. Se a TV alcança 40%, então 60% do público (1 - 0.40) não a viram. Para o rádio, 75% escaparam. Para o digital, 70%.

Então, ela multiplica essas probabilidades de fuga: 0.60 × 0.75 × 0.70 = 0.315.

A velha fórmula contava cabeças. A nova precisa pesar mentes.

Isso significa que 31,5% do seu público-alvo vive em uma bolha de silêncio, intocado por sua campanha. O resto, os outros 68,5%, foram alcançados por pelo menos um dos seus anúncios. Esse é o seu alcance líquido. É para isso que a Fórmula Sainsbury serve. Ela mata a ilusão da soma simples e entrega a realidade da sobreposição.

Mas a história não para aí. A fórmula, em sua forma pura, tem um otimismo ingênuo. E é aqui que entra um segredo de ofício, um ajuste que separa os amadores dos profissionais.

O AJUSTE FINO QUE POUCOS CONHECEM

A matemática funciona bem para dois meios. Mas quando você adiciona um terceiro, um quarto, um quinto canal, a chance de uma mesma pessoa ser pega na interseção de três ou mais mídias cresce exponencialmente. A fórmula pura começa a superestimar o alcance. Ela não prevê a saturação.

Na prática, planejadores experientes sabem que a fórmula pura tende a superestimar o alcance quando múltiplos canais são adicionados.

Como meu amigo e especialista em mídia Boaventura Junior sempre lembra, a experiência ensina a aplicar ajustes empíricos baseados em dados históricos de campanhas. Esses ajustes, que ele consolidou ao longo de anos de prática, reconhecem uma verdade simples: quanto mais meios você adiciona, menor o ganho marginal de cobertura.

tabela de alcance de meios em campanhas publicitárias

Imagine um plano com TV (70%), Rádio (40%) e Digital (50%). A fórmula pura te daria um alcance otimista de 91%. Mas você, o planejador experiente, sabe que há três meios na jogada. Você aplica o deflator de -5%. O resultado final? 86,5%. Um número mais honesto. Ou, pelo menos, é assim que a experiência conta a história.

QUANDO A EFICIÊNCIA DEIXA DE BASTAR

Mesmo com esses ajustes, a Fórmula Sainsbury ainda mede apenas uma coisa: a exposição.

Hoje, o jogo é outro. A fórmula não distingue um anúncio visto por três segundos no scroll de um comercial de 30 segundos assistido com atenção. Não sabe se quem viu foi um humano ou um bot. Ela trata toda exposição como igual, mas um estudo da McKinsey mostra que a monetização da atenção pode variar de US$ 33 por hora em esportes ao vivo para meros US$ 0,05 em podcasts.

A velha fórmula contava cabeças. A nova precisa pesar mentes.

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Isso nos força a atualizar o modelo mental. A pergunta não é mais “quantas pessoas alcançamos?”, mas “quanto da atenção delas nós realmente conquistamos?”.

A Fórmula Sainsbury da Era da Atenção precisa ser outra. Ela deve começar com o alcance líquido, já ajustado pela experiência, mas depois aplicar novos filtros: Qual a qualidade dessa atenção? Qual o contexto da exposição? Qual o percentual de alcance humano real?

A lógica nascida na Sainsbury's, de otimizar um recurso escasso, continua perfeita. O que mudou foi o recurso. Não é mais o espaço na prateleira. O recurso mais escasso do século 21 é a atenção genuína. E para calcular isso, nenhuma planilha, sozinha, vai te dar a resposta.


SOBRE O AUTOR

Guido Sarti é sócio e vice-presidente de Dados e Tecnologia na Galeria, fundador da martech GAIA e da empresa de inteligência geolocal... saiba mais