A girafa, a zebra e Jacob Collier. O desafio de viver sua verdadeira natureza

Crédito: Delbars/ iStock

Fred Gelli 5 minutos de leitura

Era o período de seca na savana. Uma zebra observa com inveja uma girafa comendo as folhas ainda tenras da copa das árvores. Na mesma hora ela pensa: "o que eu poderia fazer para que meu pescoço crescesse?".

Ela quer o que a girafa tem. Para isso, tem que imitá-la. Com certeza, é mais interessante ser uma girafa que enxerga tudo de cima, come o que ninguém consegue comer, do que essa zebra sem graça. Quase um genérico enfeitado de um cavalo.

E, claro, o Instagram da floresta não para de mostrar girafas e seus múltiplos talentos. Foi só depois de muitas sessões de terapia com a coruja que ela conseguiu finalmente enxergar que só daria para ser feliz se ela investisse em ser a melhor zebra que pudesse ser.

Tem muitas marcas por aí tentando ser o que não são. Sonham ser a Patagônia, tentam usar a castanha do jeito da Natura, fazem suas embalagens parecerem as da Apple ou, simplesmente, copiam escancaradamente as estratégias de seus concorrentes diretos. Tudo para tentarem fazer seus pescoços crescerem.

Crédito: Ricardo Bezerra

Luta inglória. De um modo geral, pouco sustentável e pouco crível. O que, nos tempos de telhados de cristal, pode levar a cancelamentos e retaliações.

Isso vale para pessoas, que, sob bombardeio de desejos digitais, educação ultrapassada e destinos pré-fabricados pela pulsão capitalista, não sabem aonde ir, pois não sabem quem são de verdade. Autoconhecimento é jornada longa e complexa para qualquer um, mas só de lá vem a possibilidade real de ser feliz, de gerar impacto no mundo, de ter paz e sucesso – por que não? 

O sucesso real. Aquele que tem a ver com fazer a diferença. Trazer algo novo para o mundo. Mesmo que seja só para o seu mundo.

Sucesso tem a ver com viver a partir do seu lugar de potência. Vale para o indivíduo, para as marcas e até para países. Cada um tem o seu. Ele é o cruzamento do conjunto das suas competências essenciais, tudo que tem a ver com a sua origem, sua história, seus talentos mais verdadeiros, entrando em ressonância com o que o mundo precisa.

Esse é o ponto doce que, quando se manifesta, abre espaço para a coevolução. O círculo virtuoso da geração de valor compartilhado. Eu gero valor para o mundo a partir do que tenho de mais precioso para oferecer e o retorno vem em seus inúmeros formatos.

MARCAS NO DIVÃ

Quero falar de como as marcas podem avançar nessa direção, mas recentemente tive encontros com pessoas iluminadas que parecem realmente viver a partir de seus lugares de potência com plenitude. E o que se aprende com a natureza das pessoas vale para a natureza das marcas. Afinal, branding é colocar marcas no divã.

Jantei com Marcelo Gleiser. Físico, astrobiólogo, com uma generosidade imensa de traduzir a complexidade do universo em convites democráticos e poéticos. Falamos as maiores maluquices sobre a força criativa da evolução, tivemos ideias para um projeto em que estamos colaborando, tudo entre uma garfada e outra de um carpaccio de Portobelo e uma limonada de maçã verde. Marcelo nasceu para fazer o que faz.

No dia seguinte ao jantar, respirei fundo para encontrar Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro, figuras mais do que inspiradoras, de que o Brasil tanto precisa. A ocasião: uma festa para celebrar a escolha do primeiro indígena na Academia Brasileira de Letras.

Impressionante a mistura de contundência e leveza nas falas de Krenak, a simplicidade e a alegria com que compartilhou com a gente algumas de suas ideias tão originais.

Com o “Sonho Manifesto” na minha cabeceira, trocar ideias com Sidarta foi uma revelação. O espaço que ele criou para ser quem é – oferecendo ao mundo uma mistura original de erudição com suas vivências e experiências pessoais – é incrivelmente corajoso.

Os três são exemplos do círculo virtuoso que se abre quando nossa presença no mundo está  centrada em nosso lugar de potência.

FUGINDO DAS ARMADILHAS DO "SISTEMA"

Mas foi assistindo a um documentário sobre a trajetória única de Jacob Collier que as últimas fichas caíram. Jacob é um multi-instrumentista difícil de descrever. Ele não parece se encaixar em nenhum dos rótulos do mundo da música e das artes, pois vai do jazz ao pop, compõe para orquestras, canta em timbres radicais.

Tem só 29 anos e é o único artista a ganhar Grammys consecutivos em todos os álbuns que lançou. Tem como fãs Herbie Hancock, Steve Wonder e Quincy Jones – que, a propósito, foi delicadamente rejeitado como produtor por Jacob com uma resposta surpreendente: “podemos ser só amigos?”

Longe de ser esnobação, Jacob sentia que precisava avançar com total liberdade em sua exploração criativa. Do jeito dele. Usando suas roupas coloridas, entrando no palco descalço, fazendo parcerias inusitadas com pop stars ou com músicos de rua. Tudo exatamente pela clareza de não querer negociar seu lugar de potência.

Fazendo turnês pelo mundo, mas morando ainda em uma pequena casa com a mãe em Londres, de onde, tocando simplesmente todos os instrumentos, produziu seu primeiro álbum: "In My Room".

Mais do que um gênio que sabe o que quer, parece que Jacob soube fugir das armadilhas que o “sistema” espalha pelo caminho de qualquer um, tentando enquadrar qualquer impulso original e verdadeiro de expressão em fórmulas e receitas.

Ele parece ser exatamente quem é. Frase que soa meio non sense, só que não. Jacob não representa um personagem. De alguma forma, deu um olé nas artimanhas do ego, e é isso que faz dele essa figura única. 

Assistindo a “In the Room Where it Happens", que eu fortemente recomendo, ri sozinho, me emocionei e, acima de tudo, tive insights sobre a magia de sermos todos únicos.

Pessoas, marcas, países, zebras e girafas. Resta investirmos com convicção nessa aventura iluminada de vivermos a partir do nosso, só nosso, lugar de potência.


SOBRE O AUTOR

Fred Gelli é co-fundador e CEO da Tátil Design, consultoria de branding, design e inovação que desenha estratégias e experiências de m... saiba mais