A internet faz mal aos adolescentes? Provavelmente sim, mas não só ela

Crédito: Fast Company Brasil

Yasodara Cordova 4 minutos de leitura

Na semana passada, Kate Winslet fez um discurso emocionado na ocasião em que recebeu o prêmio Bafta de melhor atriz na série “Eu sou Ruth”, chamando a atenção para os efeitos das redes sociais na saúde mental das pessoas.

Não só crianças e adolescentes adoecem por vício nas redes sociais, mas o efeito nessa faixa populacional tem sido associado à elevação no número de adolescentes que entram em depressão, se automutilam, se expõe a situações perigosas e até cometem suicídio. Pais, médicos e demais profissionais da área de saúde estão extremamente preocupados.

São muitas as evidências de que o jeito que as redes sociais moldam a experiência social de adolescentes faz mal à saúde mental.

O debate, entretanto, ainda está em aberto na comunidade científica. A adolescência é um período de muitas mudanças que incluem alterações de comportamento radicais. Durante esse período, a necessidade de firmar uma personalidade adulta pode tornar os ambientes de mídia social, como os fornecidos pelo Instagram ou TikTok, particularmente atraentes e especialmente impactantes na saúde mental.

Está comprovado que as redes sociais são uma nova forma de quantificação da aprovação social: antes dos likes e visualizações, tais impressões eram pessoais e dependiam de ambientes físicos. Assim, o feedback constante através de números não era possível.

As redes sociais introduziram esse novo tipo de ansiedade sobre o valor próprio: adolescentes que não conseguem likes, não têm seguidores ou não têm conteúdos visualizados podem apresentar sintomas de ansiedade e depressão.

Essa quantificação da aprovação social pode impactar o desenvolvimento do senso de identidade de adolescentes, como eles percebem as opiniões dos outros em escala muito maior do que no modo analógico.

Outro efeito documentado em adolescentes é o FOMO, causa do excesso de consumo de informação, levando a um  “medo de perder a novidade” (fear of missing out, em inglês). O FOMO pode gerar sintomas como isolamento social, ansiedade ou depressão, dificuldades de concentração, cansaço físico e problemas para dormir.

Com tantas notícias sobre mudanças climáticas e outras mazelas causadas pelo capitalismo, mais e mais adolescentes se sentem impotentes e são levados a esses sintomas a partir do consumo intenso de notícias na internet. 

Finalmente, a exposição a ambientes online sem nenhum tipo de supervisão – como Discord, grupos no WhatsApp ou Telegram, ou até redes sociais como Twitter, onde milhares de adolescentes diariamente são expostos a conteúdos impróprios para sua idade, com violência extrema, misoginia, racismo e sexo, por exemplo – pode ter como consequência uma distorção da realidade ou radicalização de adolescentes, modificando seu comportamento e levando-os à depressão, ansiedade e dificuldade de concentração.

adolescentes que não conseguem likes, não têm seguidores ou não têm conteúdos visualizados podem apresentar sintomas de ansiedade e depressão.

Cientistas recentemente conseguiram associar a presença em redes sociais a uma diminuição das notas de estudantes, evidenciando novo sintoma indesejável do excesso de exposição às mídias sociais.

São muitas as evidências de que o jeito que as redes sociais moldam a experiência social de adolescentes, provocando uma hiper hierarquização de grupos sociais, faz mal à saúde mental e está prejudicando jovens e crianças globalmente.

Também existem evidências científicas de que a exposição diária à natureza e a formação de grupos sociais fora das redes é extremamente benéfica para a saúde mental de adolescentes.

As soluções para os problemas causados pelo excesso de internet devem passar tanto pela regulação das plataformas quanto por propostas antigas, como mais parques e espaços de lazer públicos e gratuitos, mais bibliotecas, ensino de qualidade e acessível e cidades menos poluídas.

Resolver apenas a parte das mídias sociais não vai trazer a paz de volta à vida de adolescentes e crianças. A solução do problema passa por ações estruturais e instituições mais ágeis, capazes de responder rapidamente a problemas complexos, frutos do tempo em que vivemos. 

Este artigo foi escrito com base em fontes publicadas em revistas revisadas pelos pares e de editoras científicas reconhecidas pela comunidade internacional. Os principais artigos utilizados como base foram:

  1. 1.Office of the Surgeon General. (2021). Protecting youth mental health: the US surgeon general’s advisory [internet].
  2. 2. Granic, Isabela, Hiromitsu Morita, and Hanneke Scholten. "Beyond screen time: Identity development in the digital age." Psychological Inquiry 31.3 (2020): 195-223.
  3. 3. Maza, Maria T., et al. "Association of habitual checking behaviors on social media with longitudinal functional brain development." JAMA pediatrics 177.2 (2023): 160-167.
  4. 4. Braghieri, Luca, Ro’ee Levy, and Alexey Makarin. "Social media and mental health." American Economic Review 112.11 (2022): 3660-3693.

SOBRE A AUTORA

Yasodara Cordova é Principal Privacy Researcher na Unico IDTech, membro do board de especialistas em investimentos do fundo sem fins l... saiba mais