A nova matemática da atenção

Por que medir cliques não basta e como a economia da atenção exige novos parâmetros de valor

Créditos: Alona Horkova/ Anton Vierietin/ Getty Images

Guido Sarti 6 minutos de leitura

Como esta é a minha coluna de estreia na Fast Company, me apresento brevemente. Sou Guido Sarti, sócio da GALERIA.ag e professor na Miami AdSchool. Nos últimos anos, tenho me dedicado a investigar a intersecção entre dados, tecnologia e comportamento humano.

Este espaço será um convite para olharmos além das manchetes e explorarmos as forças que realmente moldam nossos negócios e nossa cultura. Vamos à coluna.

Tenho uma relação quase obsessiva com os números. Talvez seja o único jeito de encontrar alguma poesia no caos. Mas há meses, uma dissonância me incomoda. Olho para os relatórios de campanha, para as métricas de engajamento que o mercado celebra, e a sensação é a de estar olhando para um mapa que não corresponde ao território.

Os números crescem, os gráficos apontam para cima, mas a conexão real, aquela que reverbera e constrói marca, parece cada vez mais rara. Há uma desconexão evidente: enquanto as métricas de engajamento explodem, as métricas tradicionais de marca (equity, preferência, valor) andam em ritmo próprio, muitas vezes estagnadas ou em declínio.

Essa desconexão não é apenas uma impressão. Um estudo do IAB de setembro de 2024 revelou que 96% dos anunciantes acreditam que suas estratégias de engajamento são eficazes para gerar compras, mas 70% dos consumidores relatam incômodo com esses mesmos anúncios. Os dados falam por si: o que para o anunciante é eficácia, para o consumidor pode ser ruído.

Não é um problema de medição, mas de percepção. Estamos medindo o eco, não a voz. E se parte desse eco for gerado por ninguém? Se os números que celebramos não se traduzem em valor real de marca, talvez seja hora de questionar o que estamos realmente medindo.

Otimizamos tanto para o algoritmo que nos esquecemos do consumidor real.

Essa pergunta me levou ao que chamo de nova matemática da atenção. A matemática baseada em cliques, views e likes, está quebrada. Ela nos vendeu a ilusão da escala e criou um paradoxo: bots conversando com bots enquanto o ROI se torna uma miragem.

A nova matemática atenção é mais simples e direta. Ela reconhece que nem toda atenção é igual e que precisamos distinguir entre duas correntes fundamentais:

  • Corrente Imediata: atenção breve que dispara resposta e ação, gerando cliques, compartilhamentos e impulso.
  • Corrente Profunda: atenção sustentada, constrói memória, significado e valor de marca, sedimentando narrativas e criando preferência real.

O problema é que estamos medindo tudo como se fosse Corrente Imediata. É como comparar um martelo com um bisturi: ferramentas diferentes, funções diferentes. Quando otimizamos apenas para uma dessas correntes, estamos matando nossa marca de fome.

O QUE OS DADOS REVELAM

O Bad Bot Report 2025 da Imperva mostra um marco histórico: pela primeira vez, o tráfego automatizado superou a atividade humana, representando 51% de todo o tráfego web em 2024. Mais alarmante ainda, os bad bots já são 37% de todo o tráfego da internet, contra 32% em 2023.

Agora, pegue os US$ 790 bilhões investidos em publicidade digital em 2024 e faça a conta. Uma parte significativa desse dinheiro está sendo gasta para impressionar ninguém. Campanhas otimizadas para engajamento falso não constroem marca. Influência sem pessoas não é influência. É apenas eco na Corrente Imediata, sem nada sedimentando na Corrente Profunda.

Crédito: Freepik

Wall Street já começa a falar em um “prêmio de autenticidade”: consumidores dispostos a pagar mais por interações humanas genuínas. Esse movimento já é visível em categorias como luxo, saúde e educação, mas não existe ainda um percentual consolidado de mercado. Trata-se de uma tendência em formação.

O inverso também é verdadeiro: empresas de mídia com alta proporção de audiência sintética tendem a ser penalizadas em valuation.

Quando as duas correntes de atenção se encontram, o retorno não é soma, é multiplicação. Estudos do IPA conduzidos por Les Binet e Peter Field mostram que o equilíbrio entre construção de marca e ativação de curto prazo em torno é a estratégia mais eficaz para maximizar ROI e crescimento sustentado.

Nielsen e Kantar reforçam que campanhas integradas, que orquestram simultaneamente atenção imediata e profunda, geram ganhos expressivos de eficiência em relação a estratégias unilaterais.

O TRIÂNGULO DA ATENÇÃO

Três lentes para transformar atenção em ativo estratégico:

1. Realidade

Quem está do outro lado? Separar humano de sintético.

  • Com receptiva: analisar tráfego inválido, tempo de sessão e bounce rate.
  • Sem receptiva: avaliar completion rate, tempo de exposição e ad recall.
  • Desafio de análise: questionar se o inventário comprado está livre de tráfego inválido e se existem métricas independentes que comprovem atenção humana real.

2. Profundidade

Quanto tempo fica? Diferenciar impacto imediato de construção de memória.

  • Imediata: CTR, swipes, interações rápidas.
  • Profunda: completion rate, tempo médio de leitura, recall e preferência.
  • Desafio de análise: comparar tempo médio de atenção em diferentes meios. Um feed social pode gerar exposição de 1 a 2 segundos, enquanto streaming, publishers premium ou CTV podem sustentar acima de 10 segundos.

3. Convergência

O que isso gera junto? Garantir que performance e marca cresçam em sinergia.

  • Relação entre brand lift e taxa de conversão.
  • Share of voice e menções versus CPA/ LTV.
  • Recall versus vendas incrementais.
  • Desafio de análise: exigir relatórios que conectem métricas de performance (CPA, LTV) com métricas de marca (brand lift, recall), avaliando se o investimento gera crescimento integral.

COMO USAR O TRIÂNGULO

  • CMOs: implementam realidade/ profundidade/ convergência como checklists obrigatórios em relatórios de mídia.
  • Agências e media buyers: usam o triângulo para planejar, comparar e otimizar investimentos, aplicando desconto sintético em inventário duvidoso e valorizando campanhas que demonstram convergência.

FRICÇÃO E OPORTUNIDADE

A fricção está na nossa obsessão com métricas que não distinguem o humano da máquina, nem a ação da construção de significado. Otimizamos tanto para o algoritmo que nos esquecemos do consumidor real.

A oportunidade talvez esteja na contramão. Na simplicidade. Nas comunidades menores. No engajamento que não escala, mas que constrói de verdade. Enquanto o mercado persegue milhões de impressões, as marcas que sobreviverão são aquelas que cultivam milhares de conversas reais.

Crédito: Supakrit Pumpy/ Breaker Maximus/ Getty Images

A QUESTÃO QUE FICA

No fim, o maior ativo que uma marca pode ter não é um algoritmo que gera milhões de impressões vazias. É a capacidade de orquestrar as duas correntes de atenção: a que ativa e a que sedimenta. A que gera ação imediata e a que constrói significado duradouro.

A questão não é se vamos começar a medir a nova matemática da atenção. A questão é quando. E se começássemos por aí?


SOBRE O AUTOR

Guido Sarti é sócio e vice-presidente de Dados e Tecnologia na Galeria, fundador da martech GAIA e da empresa de inteligência geolocal... saiba mais