A pressa, o ruído e o caminho de volta para o que importa

Cidades são aldeias mortas, desafio nonsense
Competição em vão, que ninguém vence
Pense num formigueiro, vai mal
Quando pessoas viram coisas, cabeças viram degraus
O verso de Emicida não é apenas uma crítica urbana. É quase um diagnóstico.
A cidade nos prometeu tudo: movimento, progresso, possibilidades. Mas ela entrega, cada vez mais, ruído, pressa e exaustão. É como se estivéssemos presos dentro de um organismo acelerado demais para nos ouvir e indiferente demais para nos acolher.
Trânsito, telas, metas, notificações, prazos. O corpo responde como pode: ansiedade, insônia, burnout, crises de pânico. Vivemos rodeados de gente e, ainda assim, cada vez mais sozinhos. Estamos sempre conectados, mas quase nunca presentes.
Outro dia, enquanto pensava em possíveis destinos para as férias, percebi algo curioso: mesmo sem planejar, meu desejo me puxava para o interior. Para o campo, para o som dos pássaros, para a lida com o tempo que é regido pelo sol, e não pela agenda.
Talvez esse desejo fale mais de saúde do que de descanso. Porque a verdade é que o corpo já sabe que precisa de outro ritmo. A mente também.
Talvez por isso tanta gente esteja voltando, ou desejando voltar, para o interior. Não como fuga, mas como antídoto. Um lembrete de que existe vida fora da lógica da performance. Desse verdadeiro mal-estar na civilização (Freud, 1929).
Em outra coluna que publiquei aqui na Fast Company, escrevi sobre a nossa dificuldade de lidar com o silêncio e como, muitas vezes, recorremos ao excesso de estímulos como anestesia.

Hoje, sigo o mesmo fio, mas por outra trilha: e se tiver chegado a hora de fazer o caminho inverso, sair das grandes cidades e retornar ao mato? A um outro lugar, um outro ritmo?
Talvez não seja apenas sobre sair da cidade. Talvez seja sobre reaprender a viver. E, para isso, às vezes, é preciso voltar ao interior. Ao que está fora do centro, mas também ao que está dentro de nós.
Longe do trânsito, do wi-fi instável e das demandas que nunca cessam, existe o tempo do sol. Da terra. Do agora. Existe um tempo que não corre, caminha. Que não apita, respira. Que não cobra, acolhe. E talvez seja ele que possa nos curar da pressa, do ruído e do vazio.
Quem sabe Caetano tenha nos dado um sinal na canção “Bem Devagar”: “sem correr, bem devagar... a felicidade voltou pra mim...”
Então, que venha a nossa felicidade de volta.
