A responsabilidade coletiva na redução do sofrimento
É possível ser bom para as pessoas, para as empresas e para a sociedade, mas é preciso passar por renúncias e mudanças
O modelo atual é insustentável e não podemos continuar fechando os olhos para o que nos cerca. Seguimos destruindo o planeta, nossa saúde mental, vivendo como se nossas ações não tivessem consequência. Mas elas têm.
Acredito que agora não é hora de buscarmos culpados ou apontarmos os dedos, todos somos co-responsáveis pelo que está acontecendo. Agora o foco é enfrentar a calamidade e nos unir para salvar o máximo de vidas possíveis.
Mas, passada a crise, precisamos falar de forma mais séria sobre regeneração. Passamos pela pandemia, nos unimos, colaboramos, fomos empáticos, a natureza voltou a se regenerar.
Poucos anos depois, voltamos a padrões antigos, no qual o poder segue reinando e as consequências abalam significativamente os mais fracos. E não é somente em um aspecto, mas vemos isso em notícias diárias:
Quando, diante da tragédia, não aceitam ficar sem um serviço.
Quando cometem infrações (ou crimes) e elas não têm consequência, pois o dinheiro ou contatos a salvam.
Quando um líder não se importa com o que seu time está passando.
Quando ainda fazem 'piadas ou brincadeiras' racistas e homofóbicas e acham que tudo hoje é radical e mimimi.
Quando um fornecedor grande não valoriza o pequeno e não paga corretamente.
Quando lidamos com a dor do outro como se não fosse nosso problema.
O que falta para acordarmos e entender que não dá para viver em um mundo onde não há responsabilidade coletiva na redução do sofrimento humano? Não dá para seguir tratando a natureza como se seus recursos fossem infinitos.
Não podemos seguir abusando das pessoas, como se sua saúde fosse infinita. É preciso construir um novo modelo, um capitalismo mais consciente, um olhar mais sustentável e regenerativo.
Vejo muitas críticas em relação ao nosso piloto da semana de quatro dias. Frases nas redes sociais como “trabalhar duro é bom, vagabundo que não quer trabalhar etc”. Porém, o que estamos falando é que o modelo atual não serve mais, por diversos motivos. Precisamos testar novos modelos, mais saudáveis e também mais inteligentes.
Passamos pela pandemia, nos unimos, colaboramos, fomos empáticos. Poucos anos depois, voltamos a padrões antigos.
É possível ser bom para as pessoas, para as empresas e para a sociedade, mas é preciso passar por renúncias e mudanças. Dá medo, sim, mas se não sairmos da nossa zona de conforto, não conseguiremos construir o mundo que queremos.
Hoje, está claro que não está dando certo. As tragédias vieram para ficar, assim como os indicadores negativos em saúde mental. E em vez de olharmos para isso, nos anestesiamos em dopamina rápida, como redes sociais, consumo excessivo e uso de entorpecentes.
Hoje, sofro com a dor da impotência. Mas, ao mesmo tempo, acende a esperança de que somos mesmo altruístas. Em todas as tragédias, vemos pessoas arriscando suas vidas para salvar seus semelhantes e animais. Estamos vendo, no Rio Grande do Sul, milhares saindo de suas casas para ajudar. Somos altruístas.
Matthieu Ricard, monge budista, em sua obra "A Revolução do Altruísmo", nos traz um convite à reflexão: ser altruísta nos faz bem, faz parte da nossa essência e é contagiante. Não podemos nos esquecer disso depois que voltarmos à nossa rotina.
Se não podemos transformar o mundo amanhã, tenho a certeza de que cada um pode fazer sua parte.
Podemos ser pessoas mais humanas e empáticas, usar o poder das empresas para construir novos caminhos, mais justos para todos os stakeholders, ser mais compassivos e menos competitivos, nos responsabilizar mais pelos nossos atos, atuar de forma mais sustentável, consumir menos, reciclar mais, cuidar mais da nossa saúde mental, ser mais inclusivos e humanos.
“A Revolução do Altruísmo começa dentro de cada um de nós.”
Matthieu Ricard