Arte NFT: experimentação estética ou especulação financeira?
Stjin Jansen é um designer que exerce seu talento com amplitude. Em seu foco cabem tanto o trabalho em tempo integral como diretor de criação para marcas globais quanto residências artísticas na Amazônia e a criação anual de instalações no Festival Burning Man. Também é um artista que explora consistentemente as possibilidades estéticas da arte NFT, da qual é um dedicado colecionador.
Na verdade, Stjin é um reconhecido curador e conferencista do assunto em eventos internacionais, como o emergente Bit Brussels, na Bélgica. Ele faz parte de um coletivo criativo crescente que se organiza em torno das plataformas de NFT e sua economia global.
A geração massiva de conteúdo nas redes nos surpreende com milhões de novos pontos de vista criativos todos os dias, abastecendo-nos de uma infinidade de olhares e propostas estéticas.
Como um efeito colateral do ambiente generoso com as ideias, assistimos o derretimento do seu valor financeiro. Em resposta, propostas de posicionamento profissional adequados à nova ordem precisaram ser organizadas, assim como outras formas de geração de valor. Entre elas, os tokens, que conferem identidade e valor único aos mais granulares produtos criativos, empurrando a economia inventiva da rede na contramão da comoditização.
Uma virada de ponto de vista que se mostrou relevante para o mercado financeiro. O economista Gustavo Cunha, em sua coluna no Infomoney, define o interesse em uma sentença: “os NFTs são a criação da escassez em um mundo digital de abundância”. Uma proposta narrativa de regras e construções compartilhadas, com potencial para formar um novo jogo. Como lembra Cunha: “uma moeda é uma construção social e não técnica. Ter um ecossistema que a utilize e acredite nela é essencial para seu desenvolvimento”.
ARTE OU ESPECULAÇÃO?
As transações de compra e venda de arte NFT, em 2021, somaram US$ 2,6 bilhões, segundo o relatório Mercado de Arte Global 2022, da UBS e Art Basel, recentemente publicado. Um percentual aparentemente pequeno comparado ao mercado global de arte, estimado no mesmo relatório em US$ 65 bilhões, mas que esconde a incerteza quanto ao ponto exato em que um ou outro campo se definem.
A explosão dos tokens criativos acompanha e alimenta a extrema democratização da criatividade impulsionada pelas plataformas e comunidades digitais.
Nesse sistema, os papeis de artistas, designers e creators se misturam na geração de produtos criativos, desafiando definições e limites tradicionais de mercados.
Esse mesmo universo de possibilidades em expansão é alvo de crítica de outros tantos jovens criativos, que vêm um absoluto esvaziamento estético no movimento. Acreditam que a força motriz desse ecossistema é o inchaço de uma bolha de especulação financeira pouco interessada na investigação artística. Uma distorção questionável da proposta criativa, segundo este grupo. Críticas quase sempre acompanhadas da atenção ao impacto no meio ambiente, já que a energia usada na geração dos tokens é enorme.
Afinal, qual é o propósito da arte NFT: a exploração de seu potencial expressivo, a investigação criativa de seus limites ou a simples apropriação de oportunidades de ganhos financeiros imediatos?
Segundo o historiador de arte e marchand, João Correia, o período em que um colecionador de arte tradicional mantém uma obra antes de revender, estatisticamente, é de 25 a 30 anos. No caso das obras NFT, esse período é de apenas quatro semanas. “É um mercado muito mais especulativo que o de arte tradicional”, confirma.
Ele conta que essa dinâmica atrai colecionadores e investidores, que buscam entender sua lógica interna, mas afasta um grande número de marchands que não conseguem planejar o desenvolvimento da carreira de um artista em um período tão curto. Uma visão interessante, já que, na nova cultura de arte NFT, os fãs de um artista se tornam colecionadores, que se tornam investidores, que se tornam patrocinadores de sua carreira, quebrando alguns elos na cadeia tradicional de intermediários. Uma lógica de comunidade desafiando uma lógica de mercado.
EFEITO TÚNEL
Talvez o que se entende como especulação, por conta da velocidade nas transações, apenas reflita o novo período de maturação de um artista e de seu trabalho. A velocidade faz sentido se compararmos com a compressão histórica do ciclo de vida das companhias digitais comparadas às companhias nascidas em ciclos produtivos anteriores.
os papeis de artistas, designers e creators se misturam na geração de produtos criativos, desafiando definições e limites tradicionais de mercados.
Ainda, é possível que a cadência e o entusiasmo com que se constrói essa cultura deixem pouco espaço para exposição de seus pontos cegos. De fato, a prática criativa nos coloca em uma espécie de efeito túnel: ao perseguir a construção de uma ideia focamos em seu potencial de respostas, elaboramos seus fundamentos e cuidamos de seu crescimento, muitas vezes olhando apenas para seus efeitos positivos.
Nesse processo, acabamos afastando involuntariamente as inúmeras possibilidades de erro ou efeitos corrosivos de nossa visão. Dentro de comunidades, esse efeito potencializado pode gerar bolhas de comportamentos validados no próprio grupo, sustentadas por fortes argumentos de blindagem.
Por outro lado, é possível que o trabalho coletivo na construção dessa cultura, incorporando múltiplos pontos de vista sistematicamente, nos revelem possibilidades combinatórias onde os erros se mitigam e as aparentes contradições se diluem.
No dia em que Stjin e sua esposa Ruth ouviram pela primeira vez o batimento do coração de seu filho Rio em um exame de ultrassom, adquiriram uma peça de arte NFT. Um ato com sentido pessoal e cultural: um rito de celebração, uma afirmação estética, uma introdução à comunidade ou, até mesmo, um investimento financeiro. Entre as diferentes possibilidades de significado da obra que compraram, Stjin e Ruth provavelmente aceitem todas ao mesmo tempo como representantes do nosso momento, sem contradições ou incoerências.