Atingidos pelas redes sociais
Chegou a hora de inverter essa lógica: se somos todos atingidos, devemos ser também agentes de mudança

Todo evento inesperado e involuntário atinge um grande número de pessoas. Costumamos contabilizar esses eventos com o número de atingidos e com o número de vítimas, em alguns casos fatais.
Contamos o número de atingidos por um deslizamento, o número de atingidos por uma tempestade, por um incêndio, por um terremoto, tsunami e por aí vai.
Os atingidos são todos aqueles que foram afetados direta ou indiretamente por um evento involuntário de grandes magnitudes. Pouco ou nada se pode fazer ao ser atingido.
Pois é exatamente assim que a desinformação, os golpes e as fraudes se espalham: nos atingem de forma inesperada e involuntária. Todos, sem exceção, já fomos atingidos pelas redes sociais, mesmo que não tenhamos percebido. E é impossível medir o número de atingidos e o número de vítimas.
O termo “atingido” aqui não é exagero retórico. Ele representa uma condição social contemporânea. Não se trata de culpar usuários, mas de reconhecer que a arquitetura das redes sociais foi projetada para a disseminação rápida, emocional e muitas vezes irresponsável de conteúdos.
Ao receber uma corrente falsa no grupo da família, ao cair num link enganoso, ao repassar sem checar ou simplesmente ao ser exposto a uma narrativa manipuladora travestida de verdade, somos atingidos pelas redes sociais. E o pior: nem sempre conseguimos identificar se fomos vítimas ou apenas vetores desse processo.
As redes, que nasceram para conectar, passaram a ser o terreno fértil da dúvida, da manipulação e da fraude. Marcas, vozes públicas e instituições são usadas em golpes que misturam tecnologia, sensacionalismo e desespero. Em muitos casos ampliando uma tragédia física em uma nova tragédia ampliada, sendo assim, explorada como oportunidade de negócio por quem lucra com o caos e com a mentira.
Todos, sem exceção, já fomos atingidos pelas redes sociais, mesmo que não tenhamos percebido.
Ninguém está imune. Ser atingido não é escolha. É contexto. É estrutura. É o funcionamento de um sistema que monetiza atenção a qualquer custo e terceiriza responsabilidades. A publicidade sustenta o modelo, como já sabemos, mas a responsabilidade pelas consequências parece sempre pertencer ao outro.
Chegou a hora de inverter essa lógica: se somos todos atingidos pelas redes sociais, devemos ser também agentes de mudança. Precisamos exigir regras, supervisão e responsabilidades. No mínimo, considerar a aplicação de regras que já são vigentes no mundo físico, que também sejam válidas no mundo digital.
Afinal, muitos acontecimentos não podem ser evitados, mas podemos construir defesas, alertas e mecanismos de proteção. E, no caso das redes sociais, isso começa com transparência, responsabilização e regulação.
