Belém e as frestas por onde o novo pode entrar
Talvez o aprendizado mais importante desta COP seja a percepção de que precisamos de outros jeitos de fazer política climática

A COP30 terminou com aquele gosto agridoce. Depois de duas semanas de negociações intensas, os cerca de 200 países chegaram a um consenso no chamado "Mutirão Global".
O texto diz que a transição para economias limpas é "irreversível" e que o Acordo de Paris "está funcionando", mas não menciona explicitamente o mapa do caminho para a substituição dos combustíveis fósseis, justamente o ponto mais aguardado e mais central.
Frustrante? Sim. Mas recorro ao filósofo nigeriano Bayo Akomolafe, que nos convida a olhar de outro ângulo. "E se a política – mesmo a política de nossas esperanças mais desesperadas – for menos uma máquina previsível e mais uma dança inquieta de forças que se dobram, enroscam e surpreendem?"
Entramos na COP30 imaginando que finalmente teríamos a conversa certa, no lugar certo. O mundo inteiro dentro da Amazônia. Os povos indígenas presentes. O Sul Global no centro.
Saímos com a promessa de dois planos futuros: um para deter o desmatamento, outro para transição energética, mas sem o principal: um roteiro claro para deixar o petróleo e o carvão no chão.
- COP30 e a distância entre o clima das metas e a governança das práticas
- A COP30 deve ser o momento em que o mundo se compromete a acabar com os combustíveis fósseis
- Mulheres e poder: o papel delas na frente à crise do clima
- Empresas e COP30: como grandes eventos podem impulsionar o compromisso com a regeneração?
Mas nem tudo foi frustração. No campo da adaptação climática, a COP30 aprovou triplicar o financiamento para que países e comunidades se tornem mais resilientes aos eventos extremos.
Na frente de gênero, foi criado o Plano de Ação de Gênero de Belém, que reconhece que as mudanças climáticas afetam especialmente as mulheres e propõe financiamento e liderança para elas, com o Brasil lançando a primeira estratégia que estrutura a política ambiental a partir da igualdade de gênero.
Pela primeira vez em 30 anos de conferências do clima, o papel de afrodescendentes e quilombolas foi oficialmente reconhecido nos documentos, uma menção inédita acompanhada de um plano com investimento inicial entre Brasil e Colômbia para garantir direitos territoriais.
O texto final não menciona explicitamente o mapa do caminho para a substituição dos combustíveis fósseis.
E o momento mais emocionante: depois de uma semana de manifestações, o governo homologou quatro terras indígenas e assinou 10 portarias para avançar outras demarcações.
Os povos indígenas constituem apenas 5% da população global e seus territórios ocupam somente 28% da superfície terrestre, mas protegem e preservam 80% da biodiversidade. E foi justamente o som desses maracás que ecoou para além das salas de negociação.
Talvez o legado mais indelével de Belém tenha sido justamente esse: aproximar o clima da cultura. Pela primeira vez, uma COP não aconteceu apenas em salas refrigeradas de negociação. Ela transbordou para as ruas, para os rios, para as aldeias. Barqueatas, marchas, apresentações culturais, banhos de cheiro, rituais de cura.

Comunidades indígenas do mundo inteiro estavam lá. As mulheres catadoras de recicláveis estavam lá. Os quilombolas estavam lá. Não apenas como observadores, mas como protagonistas de uma narrativa que insiste em dizer: a crise climática não se resolve só com planilhas e metas, ela exige que repensemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo.
Quando você tira a discussão climática dos centros de convenção e a coloca no coração da Amazônia, algo muda. Ainda assim, Belém não nos deu o acordo dos sonhos.
É de se pensar que o aprendizado mais importante não esteja nas páginas do documento final, mas no que ficou de fora: a percepção de que precisamos de outros jeitos de fazer política climática, outros modos de agir que os métodos tradicionais ainda não conseguem enxergar.

Mas aqui está o pulo do gato: reconhecer isso não é desistir. É começar a ver as rachaduras – onde o consenso não fecha, onde a política emperra – não como defeitos, mas como frestas por onde algo novo pode emergir.
"A resposta somos nós". O lema da Cúpula dos Povos em Belém pode ter sido a frase mais honesta de toda a conferência, porque ela nos lembra de que as respostas não virão apenas de negociadores em salas fechadas.
Elas estão nos territórios que resistem, nas práticas ancestrais que funcionam, nas comunidades que sempre souberam como manter a floresta em pé.
O desafio agora é fazer com que esse "nós" não seja apenas retórica, mas o centro real de onde partimos para construir a política climática do futuro.
