Brain rot e o futuro do passado

Enfrentar o "apodrecimento do cérebro" exige um esforço coletivo para resgatar o pensamento crítico e a profundidade

Crédito: Alona Horkova e designprojects/ Getty Images

Ana Bavon 4 minutos de leitura

Quando a Oxford escolhe "brain rot” – ou apodrecimento cerebral – como a palavra do ano, não está apenas capturando uma moda linguística, mas fazendo uma leitura do espírito do tempo.

O termo, que remete a um "apodrecimento cerebral" causado pelo excesso de estímulos fúteis – memes, rolagens infinitas, vídeos curtos sem sentido –, é um grito de alerta sobre como estamos sendo moldados por uma sociedade ansiosa, imediatista, presa às redes sociais e absolutamente superficial.

Quando digo que estamos sendo moldados, afirmo que há uma intenção nessa cultura e que ela não é inofensiva. A cultura da superficialidade não somente fragmenta nossa atenção, mas também afeta nossa subjetividade de formas profundas e, muitas vezes, irreversíveis.

Ansiedade crônica, dificuldade de foco e burnout digital já não são mais exceções; tornaram-se a norma para muitos de nós. A culpa? Uma combinação de algoritmos que entendem nossa vulnerabilidade melhor do que nós mesmos e um ritmo de vida que privilegia a velocidade em vez da profundidade. A forma como reagimos a estímulos irrelevantes como um like nos dá notícia do abismo emocional no qual estamos nos afundando.

Os ídolos que promovemos, as atitudes que ovacionamos e as celebridades que exaltamos são reflexo dessa sociedade apodrecida que estamos nos tornando.

INFORMAÇÃO SEM CRITICIDADE, VELOCIDADE SEM PROFUNDIDADE

Sou uma leitora voraz e uma apaixonada pelo estudo das pessoas e das relações por meio da filosofia e da psicanálise. Sempre me socorro nos clássicos quando olho para o presente e careço de ferramentas para descrever fenômenos atuais com cheirinho de passado.

Foi em microfísica do poder que andei bebendo, e é partindo desse clássico que afirmo que essa cultura é, também, um sintoma da relação entre poder e saber, como descrita por Michel Foucault.

Vivemos em uma era onde o acesso à informação é praticamente ilimitado, mas, paradoxalmente, isso não nos torna mais livres ou críticos. Pelo contrário: estamos mais vulneráveis do que nunca a formas sutis e eficazes de controle.

o brain rot não é apenas uma crise individual, mas uma questão política e ética.

Foucault nos mostra que o poder não é apenas repressivo, mas produtivo: ele molda subjetividades, cria discursos e organiza o que consideramos “verdade”. No caso da era digital, o poder se manifesta em uma economia da atenção que explora nossas vulnerabilidades cognitivas e emocionais.

As redes sociais e plataformas digitais não apenas nos oferecem informação; elas nos condicionam a consumi-la de formas fragmentadas e espetaculares, promovendo um estado constante de distração e superficialidade.

Não precisamos puxar muito pela memória para lembrar da última produção dessa cultura, uma mulher que se tornou celebridade instantânea a partir de um viral expondo seu silêncio numa situação mais complexa do que parece.

Crédito: Antonio Solano/ iStock

É precisamente aqui que encontro conexão entre poder e saber com brain rot. Esse “apodrecimento cerebral” não é apenas um efeito colateral do excesso de estímulos digitais, mas uma ferramenta de poder.

Quando a mente está sobrecarregada por estímulos rápidos e vazios, a capacidade de reflexão crítica é enfraquecida. O resultado é uma sociedade onde o acesso à informação não se traduz em emancipação, mas em conformismo.

Guy Debord, em "A Sociedade do Espetáculo", complementa essa análise ao mostrar como o espetáculo substitui a experiência direta pela representação. O que importa não é a realidade, mas a aparência. Nas redes sociais, isso se manifesta em um ciclo interminável de conteúdos que privilegiam o choque, o entretenimento e a viralidade.

Essa dinâmica serve a um projeto de poder: manter as pessoas distraídas, entretidas e desprovidas de ferramentas para questionar o sistema que as subjuga.

QUANDO O PENSAMENTO CRÍTICO DÁ LUGAR AO ESPETÁCULO

Perdemos a capacidade de resistir. Como Foucault apontaria, o poder se torna mais eficaz quando os indivíduos internalizam os mecanismos de controle. No caso do brain rot, somos cúmplices do processo: rolamos, clicamos, consumimos, e assim perpetuamos um sistema que nos enfraquece enquanto nos promete conexão e liberdade.

Mas há uma saída? Foucault nos lembra que onde há poder, há resistência. O primeiro passo é reconhecer o que está em jogo: o brain rot não é apenas uma crise individual, mas uma questão política e ética.

estamos mais vulneráveis do que nunca a formas sutis e eficazes de controle.

Enfrentá-lo exige um esforço coletivo para resgatar o pensamento crítico e a profundidade. Isso significa educar para a reflexão, não para a mera assimilação de conteúdo, como Paulo Freire nos alertou. Significa criar espaços – físicos e digitais – que promovam o diálogo, a contemplação e a criatividade, em vez da mera distração.

Além disso, é preciso desviar o olhar do espetáculo e retornar à experiência. Resistir ao brain rot é, em última instância, um ato de reconexão: com o outro, com o mundo e consigo mesmo. É um resgate daquilo que nos torna humanos e que o poder do espetáculo não pode controlar: a capacidade de sentir, imaginar e transformar.

A luta contra o brain rot é, portanto, uma luta pelo futuro. Um futuro onde o acesso à informação seja acompanhado pela liberdade de pensamento. Onde o espetáculo ceda lugar à verdade. E onde possamos, finalmente, romper com as estruturas que nos distraem daquilo que realmente importa: o projeto de uma vida mais justa, consciente e radicalmente humana.


SOBRE A AUTORA

Ana Bavon é advogada, fundadora, CEO e Head de Estratégia da B4People. Com clientes como Gol Smiles, Bayer, Basf, Alpargatas, Raízen, ... saiba mais