Carta à minha filha e aos futuros líderes pretos da inovação
Minha filha querida, é um prazer lhe escrever esta carta, pois me encontro em um momento bom da vida. E isso é um tanto raro, em se tratando de uma mulher preta que se lançou ao mundo de startups e tecnologia. A comemoração vem justo da oportunidade que vejo em lhe deixar um legado. Sim, o legado de ter criado uma empresa do zero e hoje já ter movimentado R$ 15 milhões, impactado a vida de cerca de 2 mil pessoas e ainda ser investida e acelerada pelo Google for Startups na iniciativa Black Founders Fund – fundo destinado a apoiar startups criadas e lideradas por pessoas negras no Brasil. Veja, minha filha, que privilégio o nosso.
No momento em que lhe escrevo, somos 54% da população brasileira, já representamos mais da metade dos negócios no Brasil – principalmente como microempreendedores – e empresas estão dando passos maiores rumo à diversidade nos seus times. Afinal, vários estudos já provaram o quão benéfico é esse movimento, tanto em ganhos financeiros quanto sociais. Esse momento é único, pois, quando nos vemos representados em um assunto ou área que gostamos, não acreditamos em quem diga que não somos capazes.
Sei que o fato de eu estar aqui, agora, já é um sinal de que, quando chegar sua hora, verá muitas outras iguais a você, ao lado de qualquer cadeira que queira se sentar.
Neste momento, trabalhamos para conectar empresas a squads de criadores que desejam viver de sua paixão, o conteúdo. Porém, ser negra nesse ecossistema ainda vem com um preço a pagar. Por mais potencial criativo e vontade de contribuir com a sociedade que possamos ter, ainda enfrentamos três vezes mais dificuldades para conseguir financiamento para as nossas ideias que as pessoas brancas. Mesmo assim, persistimos e crescemos.
Quando uma pessoa preta empreende, propomos novos caminhos para a redução da desigualdade racial. Justamente por conhecermos o quão desafiadora é a nossa caminhada, contratamos mais pessoas de minorias e contribuímos para a igualdade financeira e de oportunidades. Veja o quão gratificante pode ser a nossa posição enquanto empreendedores, filha.
Por mais potencial criativo e vontade de contribuir com a sociedade que possamos ter, ainda enfrentamos três vezes mais dificuldades para conseguir financiamento para as nossas ideias que as pessoas brancas.
O potencial dos nossos projetos é imenso! Isso evidencia ainda mais o quanto, juntos, somos mais fortes e impactamos positivamente toda a sociedade. Nossas ideias tornam o ecossistema de inovação mais diverso, igualitário e dão um sentido maior ao que é realmente inovador hoje em dia.
Ainda batalhamos diariamente para que o poder público reconheça nosso potencial empreendedor. Não contamos com políticas que façam com que pessoas como eu e você, apesar de todas as adversidades, queiram empreender. Fico um pouco mais tranquila ao pensar que existem pessoas propondo projetos que contribuam para mudar esse capítulo. Já me encontrei com várias delas. Quando estiver lendo essa carta, torço para que tais projetos tenham se tornado leis e que exemplos de executivas pretas bem-sucedidas sejam numerosos.
Para você, Gaia, minha filha, meu conselho valioso, e que certamente irá te ajudar em qualquer momento da vida em que ler esta carta, é compreender que os números são nossos aliados. Porém, é muito importante também que você não tenha medo de escutar sua intuição. Ouvi dizer que a intuição são nossas ancestrais nos contando segredos de sobrevivência.
Muito as ouvi para chegar nesse lugar de celebração que estou hoje. E, por mais que comemore tais conquistas agora, prometo me empenhar ainda mais para que o meu espaço não seja de privilégio entre pessoas pretas, mas uma escolha livre e feliz da vontade de empreender e inovar.
