Como perceber o tempo onde o sol não nasce e não se põe?

O convite é para dominar o celular ao invés de ser dominado por ele

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Genesson Honorato 5 minutos de leitura

Entendo que haja alguns mitos sobre a adoção de novas tecnologias, principalmente no ambiente de trabalho. Um deles é a ideia de que a tecnologia vai nos ajudar a olhar mais para as pessoas porque teremos mais tempo para isso. Ou seja, ao passo que otimiza processos repetitivos e realiza as tarefas lógicas muito mais rápido que uma pessoa, sobrará mais tempo, certo?

Será?

A inteligência artificial chegou com o pé na porta, ou melhor, na tela. Em tempos de GPTs e outras tantas, tem ficado cada vez mais difícil pensar em um mundo sem IA. Não tem jeito, as coisas não vão retroceder, o importante é pensar nos efeitos disso em nossas vidas.

Primeiro nós fazemos as ferramentas e, depois, as ferramentas nos fazem. Então, são inúmeros debates sobre os possíveis benefícios e malefícios de incorporar as novas tecnologias no dia a dia e no trabalho.

Surgem algumas perguntas: não estaríamos hackeados pela economia da atenção? Estamos mesmo usando esse tempo para cuidar das pessoas?

Aliás, se você nunca ouviu sobre economia da atenção, te convido a visitar a minha coluna aqui mesmo na Fast Company. Escrevi um artigo onde falo mais sobre o tema.

Em resumo, o termo "economia da atenção" foi criado por Herbert Alexander Simon, economista, psicólogo e cientista político, em 1970, quando ele refletiu sobre como a atenção humana viraria algo extremamente valioso e que, por isso, seria capitalizada e transformada em mercadoria. Esse assunto mexeu tanto comigo que resolvi fazer uma calculadora de tempo de tela.

Os números são impressionantes.

Preste atenção: se você usar o celular durante uma hora por dia, no final do ano você terá ficado duas semanas ininterruptas sem tirar a cara do celular. Sim, é meio mês direto olhando para a tela.

Crédito: Jun/ iStock

De acordo com um estudo feito pelo portal Electronics Hub, os habitantes do Brasil passam 56,6% do tempo acordados usando dispositivos. Ou seja, das 24 horas disponíveis do dia, quase oito são com a cara grudada em telas.

Em agosto, fui a um grande evento de inovação no Rio de Janeiro e pedi para as pessoas me mostrarem no seu celular o dado que diz quantas horas por dia elas ficam conectadas.  Algumas delas se surpreenderam ao perceberem que ficam cinco horas, sete horas do dia só em redes sociais. Sabe quanto isso dá por ano? 106,5 dias, 15,2 semanas. Três meses e meio inteiros!

Então fica aqui a reflexão: teremos capacidade de aproveitar bem esse tempo "a mais" que a IA pode proporcionar? Ou será que ficaremos no sofá "scrollando" a tela e sendo hackeados pela economia da atenção?

Quero ilustrar isso sob a premissa do tempo estendido e o tempo achatado.

Nas telas, o que acontece é que perdemos a noção do tempo porque estamos com a atenção em um lugar onde o sol não nasce.

O conceito do tempo estendido está associado à ideia de que o tempo pode ser percebido como mais longo ou curto em determinadas situações. Um exemplo clássico é quando estamos imersos em uma tarefa desafiadora ou agradável: o tempo parece se estender, permitindo uma percepção de maior duração.

Isso pode estar relacionado a estados de flow, conforme descrito pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, no qual a percepção do tempo se altera quando estamos completamente envolvidos em uma atividade.

Já o tempo achatado está relacionado à ideia de que o tempo pode parecer reduzido, como quando temos uma rotina repetitiva ou tarefas que não desafiam ou engajam nossa atenção. Em contextos de alta carga de trabalho ou monotonia, os dias podem parecer "achatados", sem variações significativas na percepção de tempo.

Nas telas, o que acontece é que perdemos a noção do tempo porque estamos com a atenção em um lugar onde o sol não nasce e muito menos se põe. É por isso que achamos que o tempo está passando cada vez mais rápido. Por exemplo, você deve estar achando que o ano está passando mais rápido – e não está só.

Crédito: cyano66/ iStock

Voltando ao trabalho, já sabemos que a tarefa se expande de acordo com o tempo que temos para realizá-la. Essa ideia está relacionada à Lei de Parkinson, formulada pelo historiador britânico Cyril Northcote Parkinson em 1955. A lei diz que "o trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização."

Em outras palavras, se você tem mais tempo para concluir uma tarefa, a tendência é que você use todo esse tempo, mesmo que não seja necessário. Este tema é frequentemente discutido em contextos de gestão de tempo e produtividade. Se uma tarefa pode durar duas horas mas você tem um dia inteiro para fazer, provavelmente irá durar o dia inteiro.

Os brasileiros passam mais da metade do tempo que estão acordados usando dispositivos.

Em resumo, a premissa do tempo está diretamente ligada à qualidade da atenção, se estamos presentes ou hackeados.

Pare um pouco para refletir. Você tem sete horas por dia nas redes sociais, mas não tem tempo para sair e encontrar os amigos, para tomar um café, para aprender uma coisa nova, para ir à praia, ler um livro, fazer exercício, mudar a sua alimentação ou visitar sua família.

É claro que as redes sociais, assim como a IA, são um caminho sem volta. Não estou aqui dizendo para você jogar fora todos os aplicativos de rede social do seu celular. Só alerto para que a gente use com parcimônia, consciência e equilíbrio. Criar hábitos fora das telas, como passar um tempo em meio à natureza, pode ser um ato revolucionário e necessário.

O convite é para dominar o celular ao invés de ser dominado por ele. De outra forma, usar a IA para ter tempo será apenas uma utopia dentro da sociedade do cansaço.


SOBRE O AUTOR

Genesson Honorato é psicólogo com olhar para a psicanálise, tem formação em Marketing e Design Digital pela ESPM e MBA em inovação pel... saiba mais