COP16: A importância da participação social
Para além do slogan oficial "Paz con la Naturaleza," poderíamos também chamar esta edição de “COP das Pessoas”
Escrevo este artigo diretamente de Cali, na Colômbia, onde participo da COP16. A COP da Biodiversidade é focada, entre outros assuntos, na conservação das diversas formas de vida e na preservação da natureza do planeta, abrangendo ecossistemas, espécies e elementos essenciais, como a água.
Nesse movimento de simbioses e interconexões acredito que, para além do slogan oficial "Paz con la Naturaleza," poderíamos também chamar esta edição de “COP das Pessoas.”
Mesmo com o sucesso e o evidente planejamento para garantir essa participação em muitos momentos, o lamentável episódio envolvendo a liderança indígena Txai Suruí revela os desafios que ainda são sistêmicos e precisam ser reavaliados.
A morosidade das burocracias vigentes não deve silenciar as vozes mais urgentes. Ao levantar um cartaz em área restrita, a ativista foi cercada por seguranças e teve sua credencial retirada.
Sem dúvida, a capacidade de engajamento e participação social que o governo colombiano mobilizou foi algo histórico. É um sinal claro de que a natureza não pode mais ser discutida sem a inclusão – e escuta ativa – de quem vivencia os efeitos de sua degradação de maneira mais intensa e imediata.
A cidade de Cali e lideranças colombianas optaram por construir a Green Zone (Zona Verde) de maneira descentralizada, distribuindo-a pelo centro da cidade e organizando-a em diferentes distritos temáticos, como o Distrito Guardiões da Biodiversidade, Distrito Paz com a Natureza, Distrito Conservação e Restauro, Educação e Participação, entre outros.
Com essa abordagem inovadora, conseguiram gerar um envolvimento tão significativo que a marca da COP16 passou a ser realmente valorizada pela sociedade civil.
Adultos e crianças aderiram ao histórico evento com entusiasmo, comprando camisetas temáticas, disputando pins que viraram tendência e participando ativamente de mais de mil eventos paralelos, exposições, shows e feiras de artesanato, fomentando a economia criativa local.
Durante os 12 dias de evento, essa participação massiva superou todas as expectativas, fortalecendo a conexão da COP com a comunidade com mais 400 mil participantes.
Entretanto, é igualmente importante que a Zona Azul, exclusiva para delegações credenciadas, também se comprometa em garantir essa representatividade e permitir que essas vozes influenciem diretamente os resultados das negociações. Isso demonstra a urgência das pautas reivindicadas, que não podem esperar as burocracias institucionais para serem ouvidas.
Os impactos negativos da perda da biodiversidade e da destruição dos nossos recursos naturais precisam ser vistos como mais do que números e metas de compensação. São crises humanitárias. Elas atingem vidas, comunidades e culturas de maneiras que as estatísticas muitas vezes não conseguem captar.
os povos da floresta e lideranças sociais exigem, em alto e bom tom, que suas vozes sejam ouvidas.
A visão de integrar a justiça social no debate da conservação vem da injustiça de se pensar em conservar espécies e ecossistemas ameaçados, quando as condições humanas são indignas.
Com base nesse novo pensar surgiu o termo ‘socioambiental’, onde o social e o ambiental são verdadeiramente tratados de maneira integrada. Para realmente enfrentarmos esses desafios, é essencial que as vozes das populações mais afetadas, identificadas por especialistas climáticos pela sigla em inglês MAPA (most affected people and areas, ou pessoas e áreas mais afetadas), estejam no centro das negociações.
Um exemplo inspirador de como isso pode ser feito vem da organização colombiana Movilizatório, cujo projeto “Guardians of the Future” (Guardiões do Futuro) leva, há mais de oito anos, delegações indígenas para as conferências de clima, fortalecendo uma das maiores representações indígenas da pan-amazônia nesses eventos.
O Movilizatório reforça que a inclusão das populações mais afetadas não é apenas uma questão de justiça social, mas uma ação necessária para construirmos soluções eficazes que considerem a sabedoria ancestral.
Nesta COP, junto com a Alianza Potencia Energética e organizações filantrópicas, eles lançaram a iniciativa CASA P'aVoz, que ofereceu um espaço físico com diversas ações, desde exposições, workshops a campanhas de conscientização sobre ampliação e importância da participação social nesses eventos.
A participação de grupos subrepresentados, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas nas conferências globais é particularmente relevante no contexto da América Latina – uma região profundamente afetada, mas que ainda representa a maior reserva de biodiversidade e recursos naturais do planeta. Sua conservação é essencial para vida de todos.
Para enfrentarmos esses desafios, é essencial que as vozes das populações mais afetadas estejam no centro das negociações.
Por isso, o protagonismo dessas comunidades, o reconhecimento e valorização de seus trabalhos de conservação seculares e conhecimento ancestral precisam estar na pauta de todas as discussões globais a partir de agora, e Cali deu um importante passo nessa direção. Mas o espírito de uma "COP das Pessoas" não pode parar por aqui e precisa se multiplicar.
A COP 30, que acontecerá dentro da Amazônia, é a nossa oportunidade de fortalecer essa consciência. Em diversas visitas a Belém e com conversas com lideranças locais este ano, posso garantir: os povos da floresta e lideranças sociais sabem o que é necessário, já atuam com tecnologias ancestrais, tecnologias sociais e novas tecnologias em seus territórios e exigem, em alto e bom tom, que suas vozes sejam ouvidas.
A sociedade civil e os movimentos sociais nos mostram que a mudança é possível quando (ainda) se tem espaço para agir. Cabe a todos – principalmente tomadores de decisão, governos e lideranças do setor privado – garantir que esses espaços não apenas continuem a existir, mas possam se expandir. Desde que não esqueçamos quem deve estar no centro deles.