De onde vem a comida que você come na cidade?


Denize Bacoccina 5 minutos de leitura

Você já parou para pensar de onde vem a sua comida? Sim, é fácil responder algo como: do supermercado do bairro, da loja online ou do delivery. Mas você já se perguntou onde ela é produzida? Onde é cultivada, colhida, que distância percorre até a sua mesa? Pois esta pergunta é a base da sustentabilidade não apenas dos negócios rurais, mas do nosso modo de vida urbano. Ao longo da história, cidades foram abandonadas e a população forçada a se mudar depois de crises de falta de água ou queda abrupta na produção de alimentos. Hoje, a tecnologia nos permite ter núcleos urbanos distantes das regiões produtoras e transportar os alimentos mesmo para lugares que ficam muito longe. Mas isso tem um custo ambiental que vai além do custo de frete.

O que pouca gente lembra é que, embora a produção de grãos e de carne esteja concentrada na região Centro-Oeste, em grandes propriedades, a comida do dia a dia é produzida bem mais perto dos núcleos urbanos. Mesmo em São Paulo. E é muito bom que seja assim. Quanto menor a distância entre a produção e o consumo, mais sustentável.

“Vem ganhando espaço, no Brasil, a produção em pequena escala, com consumo local. Paradoxalmente, o crescimento do comércio online, durante a pandemia, até ajudou o comércio local. Consumidores querem saber de onde vem a comida que chega à sua mesa.”

A discussão sobre a pegada de carbono e excesso de embalagem da comida ainda é recente no Brasil, mas já está bem avançada na Europa, por exemplo. Quando eu morei em Londres, no começo dos anos 2000, já era forte por lá a discussão sobre a importância da produção local tanto para reduzir o impacto no meio ambiente e evitar a queima de combustíveis fósseis nas viagens aéreas quanto pela geração de renda para os pequenos produtores, protegendo a paisagem rural e a biodiversidade.

Não era uma preocupação apenas de ativistas, mas de consumidores comuns, que queriam saber se aquela maçã vinha do interior da Inglaterra ou de uma fazenda na Califórnia, a milhares de quilômetros de distância. A mesma rejeição se dá em relação ao excesso de embalagem. Lojas que vendem a granel, que viraram moda no Brasil nos últimos anos, apenas resgatam uma tradição que vem de gerações passadas, antes de virar comum comprar no supermercado meio melão envolto num isopor coberto com plástico. Na Alemanha, por exemplo, mercearias que acondicionam alimentos nas embalagens levadas pelos próprios consumidores já são comuns há bastante tempo.

Vem ganhando espaço, no Brasil, a produção em pequena escala, com consumo local. Paradoxalmente, o crescimento do comércio online, durante a pandemia, até ajudou o comércio local. Em casa, muitas pessoas começaram a questionar suas escolhas. Consumidores querem saber de onde vem a comida que chega à sua mesa. Chefs de cozinha, obrigados a fechar os restaurantes, também se viram diante do desafio de continuar apoiando os pequenos fornecedores que garantiam ingredientes frescos para seus pratos. A chef Paola Carosella, do Arturito, criou o Prato dos Agricultores, apenas com ingredientes que recebia da Cooperapas, a cooperativa de pequenos produtores orgânicos de Parelheiros. Com isso conseguiu não apenas manter, mas triplicou as compras do grupo no ano passado.

O exemplo de Parelheiros é significativo de como é possível conciliar produção agrícola numa grande cidade. Pouca gente sabe, mas São Paulo, além da massa de arranha-céus de vidro e concreto, ainda conserva 28,4% do seu território como área rural. A produção agrícola está instalada numa região pequena, de apenas 5%, e a maior parte da área rural é destinada a áreas de conservação ambiental, junto às represas Billings e Guarapiranga e à Serra do Mar. E é justamente pela conservação ambiental que a agricultura local, familiar, orgânica, é importante. Ela garante uma ocupação saudável do solo nessas regiões, num contraponto à pressão pela ocupação para moradias, seja legal ou ilegalmente.

“A aceleração digital e a expansão do comércio online permitiram a criação e o crescimento de várias empresas do setor de alimentação, aproveitando a maior preocupação das pessoas com o que comem e com a busca de uma vida mais saudável.”

A Prefeitura de São Paulo venceu em 2016 o Mayor Challenge, da Bloomberg Philanthropies recebeu US$ 3 milhões para colocar em prática o projeto Liga os Pontos, que conecta produtores e consumidores de alimentos orgânicos da cidade, estimulando a expansão do mercado. Além de ampliar a oferta de alimentos de qualidade, o objetivo é aumentar a renda dos produtores e estimular a proteção ambiental das áreas de conservação.

“A demanda é crescente. Não temos problema de demanda, mas de oferta e de organização da oferta. O projeto atua para aumentar a capacidade produtiva, aumentar a constância da oferta”, diz a gestora do Ligue os Pontos, Nicole Gobeth.

E como a tecnologia pode ajudar a preservar o meio ambiente por meio da produção rural? Várias iniciativas vêm surgindo para conectar produtores e consumidores. Ferramentas de blockchain permitem monitorar todo o caminho percorrido por um alimento desde o plantio até o prato, garantindo a procedência.

A aceleração digital e a expansão do comércio online permitiram a criação e o crescimento de várias empresas do setor de alimentação, aproveitando a maior preocupação das pessoas com o que comem e com a busca de uma vida mais saudável. Desde entregas de cestas orgânicas até refeições prontas. Saber de onde vem a comida que chega ao prato é uma das tendências para o modo de vida urbano pós-pandemia.

Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Cofundadora da plataforma A Vida no Centro, Denize é jornalista, especialista em redes sociais e comunidades e tendências de vida urba... saiba mais