Desaprendemos a conversar?
Você prefere estar certo ou ser feliz?
Esse clichê me pega muito, porque eu adoro estar certo. Provavelmente, como você. “Estar certo” não carrega apenas a dimensão da competitividade argumentativa (que, benzadeus, tornou-se outra epidemia de nossos tempos), mas também alimenta o reforço individual que precisamos para os nossos próprios processos de aprendizagem. Quaisquer sejam eles.
É bom estar certo na resposta do vestibular, é bom estar certo na decisão de casar ou comprar a bicicleta, é bom estar certo quando alguém te pergunta se (benzadeus, de novo) o correto é “preto ou negro”.
Mas esse último proposital exemplo ilustra uma dimensão arriscada de nossa busca por certezas.
A gente sempre foi muito bom em ter certeza de coisa errada.
Por um lado, temos vivido o período de maior propagação de conhecimento a respeito de todas as pautas ligadas à inclusão social. Duvido que você consegue passar um dia sequer sem ler um mísero post, ver uma notícia na TV, um trailer de série nova ou um comentário na reunião do Zoom sobre algum episódio mais recente de racismo, uma palavra nova que é capacitista ou uma fala transfóbica de alguma autora de livros infanto-juvenis. E similares, claro.
Por outro lado, existe um efeito rebote que vem quase na mesma proporção que essa enxurrada de informação: o medo de não querer saber ou falar sobre nada disso. Esse medo – ou insegurança, para ser mais preciso – é familiar a todas e todos nós.
Você não vai se lembrar disso, mas aprender a andar com duas pernas em vez de engatinhar foi aterrorizante. Bem ali, no começo da vida, a maioria de nós precisou aprender algo bastante fundamental que desafiava as certezas que tínhamos até então sobre a melhor maneira de nos locomovermos de um ponto ao outro.
A gente naturalmente se aproxima daquilo que nos é mais familiar e se afasta do que não é. Só que esse processo pode afetar apenas a você mesmo – como ouvir exclusivamente playlists do seu gênero preferido – ou afetar as pessoas ao seu redor, porque você não vive sozinho.
As últimas décadas até podem ter martelado bastante na sua cabeça essa ideia de individualismo como fórmula infalível de sucesso. Mas estou certo de que você já se deu conta também de que essa é uma das maiores fake news de nossos tempos.
A gente naturalmente se aproxima daquilo que nos é mais familiar e se afasta do que não é.
Era bom estar certo naquele processo padrão de contratação de pessoas com o mesmo "fit cultural", né? Era bom estar certo na escolha daquela piada que ressoava sem alarde nenhum no happy hour, bom demais! Usar um cocar no carnaval ou como adereço do DJ famoso? Era uma decisão tão certa, gente!
Homem não chora, mulher não é firme o suficiente para liderar, a gramática portuguesa não prevê “todes”, o Brasil nem é racista igual os Estados Unidos (eu, racista?!), aquele meu primo autista é “especial”, mas se ela não fez cirurgia ela não é trans, comer chocolate é muita “gordice” (aliás, gordo é gordo porque é preguiçoso!)... A gente sempre foi muito bom em ter certeza de coisa errada.
ENFRENTE SUAS INSEGURANÇAS
Entendo que não é tão trivial quanto desbravar um gênero musical desconhecido a descoberta sobre seus estigmas associados à gordofobia, àquelas atitudes machistas que replica desde que entrou na puberdade, à forma como você percebe e significa pessoas de raças diferentes da sua ou àquelas tantas expressões LGBTfóbicas (olha aí mais uma palavra nova!) que todo dia alguém aponta como ofensivas.
Eu entendo – e vivencio em todos os meus trabalhos como consultor – o medo e a insegurança de falar e agir não estando certo sobre o que disse ou fez. Você não quer ferir ou ofender ninguém mais. Sua filha lésbica, seu novo date negro, sua chefe mulher, seu colega deficiente visual, sua analista da periferia de São Paulo, seu consultor trans.
Converse sobre essas pessoas e não apenas com elas. Pergunte, demonstre interesse, queira saber sobre elas.
Você não quer ferir ou ofender essas pessoas, e mais nenhuma. E, ao optar pelo efeito rebote de preferir manter-se naquelas algumas certezas que você já tem (a essa altura, você já sabe se é “preto ou negro”, vai!) e ignorar suas legítimas inseguranças, tampouco está contribuindo para que estas mesmas pessoas sintam-se mais seguras e acolhidas por você.
De todos os conselhos que eu poderia dar sobre como deixar de engatinhar para caminhar com mais felicidade nesse terreno fértil e inseguro, estimulante e amedrontador, abundante e demandante que vivemos a respeito de todas essas pautas sociais, minha escolha é questionavelmente simples: dialogue. Converse com as pessoas.
Encare sua insegurança sobre não estar certo e conte isso para alguém. Conte para sua filha lésbica, sua chefe mulher, sua analista da periferia. Mas não o faça esperando sempre obter respostas, ou aguardando o momento-chave de contra-argumentar e “vencer aquele debate”, ou receber um prêmio de “pessoa mais vulnerável do mundo”.
Converse sobre essas pessoas e não apenas com elas. Pergunte, demonstre interesse, queira saber sobre elas. Veja, talvez a forma ou o tipo das perguntas pode não bater tão legal na outra pessoa, e isso também é parte de seu processo de encarar suas inseguranças! Você também aprenderá com isso.
Converse para descobrir que está errado. Que aí, confie, você logo estará certo novamente – e bem mais feliz.