Desilusão tecnológica, regulação e o futuro das mídias sociais

2024 foi um ano marcado pela deterioração da imagem das mídias sociais e pelo enfrentamento às big techs

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Rose Marie Santini 3 minutos de leitura

"É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo." A célebre frase de Mark Fisher retrata o sentimento de nossa época, de impotência e incapacidade de imaginar alternativas ao sistema capitalista e sua lógica baseada na ganância.

Contudo, a sensação de fim do mundo pode prenunciar um momento interessante de rupturas, especialmente marcado pelo declínio do deslumbramento tecnológico em nossa sociedade. As empresas de tecnologia, antes vistas como símbolo de desenvolvimento e inovação, começam a ser encaradas como causadoras de grandes problemas sociais.

No Brasil, 2024 foi um ano de turbulências para as gigantes da tecnologia. Um dos episódios mais marcantes foi o caso "Twitter Files Brasil", deflagrado pela recusa da empresa de Elon Musk em atender a solicitações de remoção de conteúdo feitas por autoridades brasileiras, sob a alegação de censura.

A crise culminou no bloqueio do Twitter/X no Brasil, após a empresa se recusar a manter um representante legal no país, em uma clara tentativa de se eximir do cumprimento da legislação nacional.

Simultaneamente, o debate sobre desinformação ganhou destaque. Pela primeira vez, o tema foi discutido no G20, realizado no país. Além disso, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que atualmente dá imunidade às plataformas digitais e as exime de qualquer responsabilidade.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) também entrou em cena, investigando irregularidades no TikTok relacionadas ao tratamento de dados de crianças e adolescentes. Enquanto isso, o Senado aprovou dois importantes projetos de lei.

O primeiro, que regulamenta Inteligência Artificial no Brasil, que segue para votação na Câmara dos Deputados, e o projeto de lei que proíbe o uso de dispositivos eletrônicos em escolas públicas e privadas em todo o país.

Em 2024, o termo "mídia social" passou a carregar conotações negativas, levando diversas plataformas a tentar se distanciar desse rótulo.

No mundo não foi diferente. O governo australiano proibiu o uso de mídias sociais para menores de 16 anos, e o Reino Unido e a Escócia demonstram intenções semelhantes. Nos EUA, o Congresso aprovou a proibição do TikTok, alegando preocupações de segurança nacional, porém ainda cabe questionamento na Suprema Corte.

Adolescente usa o celular
Crédito: Getty Image

Vivemos um ano de crescente desconfiança global em relação a essas empresas. Em 2024, o termo "mídia social" passou a carregar conotações negativas, levando diversas plataformas a tentar se distanciar desse rótulo.

O Reddit passou a se apresentar como uma "comunidade de comunidades", o TikTok a se definir como uma "plataforma de entretenimento", o Snapchat a se posicionar como uma plataforma de comunicação e o Pinterest passou a se oferecer como um "refúgio da toxicidade das mídias sociais".

2025 promete ser um ano decisivo para redefinir o papel das tecnologias na sociedade e reinventar as regras do mundo digital.

Essa mudança semântica reflete a deterioração da imagem das mídias sociais, associadas a problemas como segurança online e impactos preocupantes no bem-estar psíquico e emocional da população, culminando na escolha do termo "brain rot" ("deterioração cerebral") como palavra do ano pela Universidade de Oxford.

Com a crescente mobilização mundial para conter o poder das big techs, 2025 promete ser um ano decisivo para redefinir o papel das tecnologias na sociedade e reinventar as regras do mundo digital. Para o Brasil, acompanhar o movimento global de regulação será crucial para proteger nossa sociedade e garantir um futuro mais saudável e seguro para as novas gerações.


SOBRE A AUTORA

Rose Marie Santini é fundadora e diretora do Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab). saiba mais