Diversidade nas organizações depende de decisões radicalmente humanas

O que deveria ser um movimento para redistribuir poder e corrigir desigualdades históricas transformou-se em produto de marketing

Crédito: Alona Horkova/ Getty Images

Ana Bavon 3 minutos de leitura

Há anos atuando nas relações de trabalho, acompanhei o nascimento e a popularização da agenda de diversidade corporativa com genuína esperança.

Analisava as primeiras iniciativas com o olhar crítico de quem entendia que, para reparar desigualdades estruturais, seria preciso muito mais do que narrativas confortáveis e ações simbólicas. E, mesmo assim, algo no início parecia promissor.

Escrevi muito, palestrei muito, fiz consultoria para muitas das maiores empresas estabelecidas no país levando comigo a convicção de que o momento era uma janela de oportunidade para que as empresas se apropriassem da sua responsabilidade e função social. A transformação social pela via corporativa não me parecia uma utopia.

No entanto, o que vi desaguar, ao longo dos anos, foi um processo de esvaziamento progressivo do conceito de reparação. A agenda de diversidade, que deveria ser um projeto transformador, tornou-se, em grande medida, um mecanismo de validação do status quo.

A crítica foi diluída em campanhas inofensivas, enquanto o poder continuou a ser distribuído como sempre foi: de forma desigual, hierárquica, conveniente.

A diversidade nas organizações virou performance. O que deveria ser um movimento para redistribuir poder e corrigir desigualdades históricas transformou-se em produto de marketing. Uma forma de comunicar sensibilidades sem abalar as estruturas que, em última instância, perpetuam as mesmas exclusões que dizem combater.

No meu livro, "Por organizações radicalmente humanas", proponho uma reflexão que me inquieta desde o início desse percurso: o futuro é uma consequência inevitável do agora. As escolhas que fazemos hoje, e as omissões que permitimos, estão moldando o que virá. Não há futuro sem o presente.

Estamos plantando sementes todos os dias. A questão é se estamos dispostos a aceitar o que iremos colher – e se queremos mesmo colher o que temos plantado. Porque a verdade é que, em grande parte das organizações, o presente é mantido em um estado de permanente conservação.

Os indicadores de diversidade nas organizações são ajustados para caber na narrativa oficial. As pessoas que deveriam ser protagonistas das transformações acabam se tornando peças decorativas em relatórios que valorizam mais o número do que o impacto.

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Quando escrevi esse livro, queria mais do que diagnosticar problemas. Queria questionar o que realmente estamos dispostos a perder para alcançar o que dizemos querer ganhar. Porque qualquer diversidade que não venha acompanhada de redistribuição é vazia.

Falar de inclusão sem mexer nas estruturas de poder é maquiar desigualdades. E, ainda assim, a indústria da diversidade nas organizações cresce, lucrando sobre discursos que evitam enfrentar os problemas que os originaram.

O futuro que almejamos, um futuro justo e inclusivo, não se realizará por si só. Ele é uma construção deliberada, um reflexo direto do que estamos dispostos a enfrentar agora.

Quando falo de organizações radicalmente humanas, não estou propondo apenas uma nova forma de medição. Estou propondo uma revisão profunda do que significa estar comprometido com a justiça social.

O que está em jogo é mais do que relatórios bem escritos. É a coerência entre o que declaramos e o que fazemos.

Nos meus anos de consultoria, trabalhando com ESG e direitos humanos, vi empresas se aproximarem dessa agenda pelas razões mais diversas. Mas é quando o compromisso vai além da reputação e se torna um pacto ético que as mudanças realmente acontecem. Quando a diversidade se torna um campo de disputa e não um espaço de conforto.

O futuro não se desvia de nossas intenções; ele se alinha a elas, ecoando as causas que escolhemos defender e os problemas que aceitamos ignorar.

Esse é o convite que faço no livro: que sejamos capazes de agir hoje como os ancestrais do futuro que desejamos construir. Que abandonemos a fantasia de um progresso inevitável e reconheçamos que, sem ação concreta, toda narrativa é ficção conveniente.

O que está em jogo é mais do que relatórios bem escritos. É a coerência entre o que declaramos e o que fazemos. E, se queremos um futuro onde a inclusão e a justiça social sejam realidade, precisamos plantar agora – e plantar certo. Por que o futuro é uma consequência inevitável do agora.


SOBRE A AUTORA

Ana Bavon é advogada, fundadora, CEO e Head de Estratégia da B4People. Com clientes como Gol Smiles, Bayer, Basf, Alpargatas, Raízen, ... saiba mais