É a publicidade, estúpido!
O problema é vender publicidade, ganhar dinheiro com ela e não querer ter nenhuma responsabilidade sobre a mensagem veiculada
A maioria das pessoas já deve ter lido ou escutado a frase “é a economia, estúpido”, uma corruptela da frase de James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton, para se referir à grande questão decisiva em processos eleitorais. A economia é o problema central que balança o pêndulo para um lado ou outro.
Uso a mesma construção para me referir a todas as questões que tangem os problemas relativos às big techs, tais como desinformação, discurso de ódio, ataques à democracia, pirataria, saúde mental e o crescente mercado de fraudes e golpes digitais.
Embora argumentem que a publicidade é uma parte distinta dos problemas mencionados, enquanto escrevo esse artigo leio uma matéria no "Financial Times" de que a OpenAI – a dona do ChatGPT, para dar nome e sobrenome – vai distribuir publicidade em seus produtos para gerar receita para o negócio.
O modelo das empresas de tecnologia não tem sido vender produtos de tecnologia. Tem sido oferecer curadoria e recomendação de conteúdo e publicidade.
Mais de 80% da receita da Alphabet (dona do Google, do Youtube e do Waze, entre outros) vem de publicidade. Mais de 97% da receita da Meta (dona do Facebook, Instagram e Whatsapp, entre outros) adivinhem? Também vem de publicidade.
As demais plataformas tais como X/ Twitter, TikTok, Pinterest, LinkedIn e tantas outras, também sobrevivem com publicidade.
Mas isso não é problema algum. Ter uma empresa que se sustente por meio da venda de publicidade faz parte do modelo de negócios de muitos no mercado.
O que é um problema é oferecer essa venda de publicidade, ganhar dinheiro com ela e não querer ter nenhuma responsabilidade sobre a publicidade ali veiculada. Ou pior, transferir essa responsabilidade para o sistema judiciário definir o que deve ou não deve ser retirado, mesmo vendendo esse espaço publicitário.
Um estudo publicado na revista "Nature" em junho deste ano mostrou que para cada US$ 2,16 destinados por anunciantes a publicidade nas plataformas digitais, US$ 1 foi destinado para veículos de desinformação por meio de modelos algorítmicos, sem conhecimento dos anunciantes – a despeito de todo o risco reputacional que isso pode ocasionar.
O modelo das empresas de tecnologia não tem sido vender produtos de tecnologia.
Trazer a responsabilização solidária das plataformas sobre o conteúdo monetizado por elas não é deslegitimar o modelo de publicidade digital, é trazer esse modelo para níveis de segurança que são exigidos em todos os modelos de negócios na sua prestação de serviço aos consumidores brasileiros e aos clientes anunciantes.
O Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isenta de responsabilidade as plataformas digitais sobre todo conteúdo veiculado – inclusive publicidade – atualmente em julgamento no STF sobre a sua constitucionalidade, pode atuar diretamente nesse problema.
A possibilidade de responsabilização após uma notificação de que alguém tenha eventualmente sido lesado ou afetado de alguma forma trará para as plataformas a chance de decidirem se mantém ou não aquele conteúdo no ar – e aumentará a segurança de todo o ecossistema digital.