Elogio do publisher
O jornalismo é, desde seu nascimento, um dos pilares da democracia moderna. E o publishing é que o faz possível
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Fast Company nasceu em 1995 da intuição de Alan Webber e Bill Taylor, jornalistas e empreendedores que, em um mundo em mutação vertiginosa, se propuseram a inspirar seus leitores a pensar de forma ampla, liderar com propósito, abraçar mudanças e moldar o futuro dos negócios. Deu muito certo.
"Wired", poucos anos antes, e logo em seguida The Huffington Post (2005), TechCrunch (2005) e BuzzFeed (2006) também surgiram para dar resposta à necessidade de novas referências no tsunami informativo da revolução digital.
Toda publicação de sucesso nasce assim: alguém identifica uma necessidade que informação ou análise podem resolver, uma dor que aliviar, e cria um produto novo, com um modelo de negócio sustentável. Chama-se publishing.
Cem anos atrás, avanços tecnológicos como o telefone, o automóvel e o rádio revolucionaram a vida dos norte-americanos. Ficava cada vez mais difícil acompanhar as notícias de um mundo complexo.
Henry Luce viu a oportunidade e fundou a "Time", a primeira newsmagazine, em 1923. Condensava as principais notícias em textos curtos, selecionando e interpretando os fatos mais relevantes da semana para o leitor médio do american dream. Botava ordem no caos. Foi chamado de “o cidadão mais influente de seu tempo”.
Roberto Civita importou e adaptou o modelo em 1968 com a "Veja", que toda semana oferecia notícias e opinião para uma classe média urbana emergente em um Brasil em pleno processo de modernização. Chegou a ser a segunda maior newsmagazine do mundo, atrás da própria "Time".
Boas revistas vão além da mera função informativa: ajudam a construir a identidade de seus leitores, dão ferramentas de aceitação e reconhecimento social.
"Playboy", "Caras", "Cosmopolitan" ("Nova", no Brasil), "The Economist", "Elle", "Paris Match", "Focus", "Recreio", "Pasquim", "O Cruzeiro", "Manchete", "Manequim", "Exame", "Quatro Rodas"... todas têm em comum o sucesso por atender necessidades de seus leitores. Até as que eles nem desconfiavam que existiam.
Uma boa revista nunca oferece apenas o que os leitores procuram, mas o que querem sem perceber. Ou sem confessar: por décadas os homens juraram comprar a "Playboy" para ler as entrevistas.
Por trás de uma boa revista há sempre um bom publisher: alguém capaz de detectar e interpretar necessidades, as declaradas e as ocultas. Alguns, como Luce e Civita, reinventam o negócio, criam impacto na sociedade e ajudam a moldar gerações inteiras.
Para ser publisher não basta ter o pulso do público: precisa fechar as contas, viabilizar um negócio, lidar com questões práticas de produção, marketing e vendas. No caso das revistas impressas, devia saber de gráfica, logística e distribuição, de compra de papel e de bancas de jornal.Hoje, precisa entender a construção de audiências online e modelos de monetização, estratégias de redes sociais, SEO, UX e TI.
Na essência, o desafio do publishing continua igual: atender as necessidades das pessoas com informação, análise e opinião, utilizando os meios tecnológicos e as linguagens (em texto, vídeo ou áudio) mais adequados para seu público, construir audiências fiéis e transformar isso em negócio usando modelos de monetização adequados.
Fácil? Nunca. Relevante? Sempre.
Uma boa revista nunca oferece apenas o que os leitores procuram, mas o que querem sem perceber.
Necessitamos de informação confiável para decidir sobre questões profissionais, de saúde, de educação, políticas e familiares, para resolver dificuldades financeiras ou amorosas, para fazer escolhas complexas. Informação confiável nos permite ser cidadãos de pleno direito. E ter uma vida melhor. É a matéria prima de nossa liberdade.
Por isso o jornalismo é, desde seu nascimento, um dos pilares da democracia moderna. E o publishing é que o faz possível.
Bom jornalismo é caro. Yuval Harari, autor de "Sapiens - Uma Brve História da Humanidade", diz que a verdade é cara e difícil de obter. A verdade exige tempo, esforço e recursos para ser descoberta e verificada.
A informação-lixo, não: é barata e funciona bem nas redes. Fazer uma live contando o que acho sobre este ou aquele assunto ou reproduzir o que outros dizem custa pouco. Apurar, checar, correr atrás de fontes, contrastar versões, editar e publicar é um outro negócio. A conta precisa fechar. Por isso, sem publishing não há jornalismo.
E sem jornalismo, a democracia sofre e a vida fica mais pobre.