Em 2025, reencante-se!
É nesse fluxo, entre o desencanto e o deslumbramento, que descobrimos novas possibilidades de mudança
Nestes últimos dias de 2024, só tenho uma coisa a dizer: que ano! Na verdade, claro, ainda tenho muitas coisas a dizer – e farei isso em seguida. Mas, antes de tudo, preciso reconhecer tanto a força quanto o peso desses 12 meses que agora se encerram.
Foi um ano de extremos e dualidades. De um lado, momentos e desafios que testaram nossa criatividade e resiliência até o limite; do outro, conquistas e descobertas que ampliaram horizontes e abriram novas possibilidades. Em resumo, um ano incrível – e incrivelmente difícil.
Não vou fingir que espero um 2025 tranquilo, longe disso, mas a parte boa é que temos muitas cartas na manga para enfrentá-lo com coragem e imaginação. É tempo de revisitar o que fizemos, aprender com o que vivemos e, principalmente, acreditar na capacidade de buscar brechas para transformar – reconstruindo o que precisa ser renovado e inventando o que ainda não existe.
Vou, então, usar as linhas que ainda tenho aqui para falar de uma palavrinha que marcou o meu 2024 e que, espero e acredito, será muito útil para o ano que vai começar: reencantamento.
Abri o dicionário para colocar aqui sua definição exata, mas descobri que a palavra nem aparece por lá. Certo, temos encantamento, “sensação de deslumbramento, admiração, grande prazer que se tem como reação a alguma boa qualidade do que se vê, ouve, percebe”.
Mas reencantamento, para mim, não significa simplesmente a ação de se deslumbrar novamente com algo. É mais profundo. Tem a ver com resgatar possibilidades no que parece perdido, com reforçar os vínculos com o que nos move, nos inspira e nos conecta, mesmo em meio às adversidades.
Não se trata apenas de reviver o encantamento original, mas de criar uma nova forma de ver, pensar e sentir.
Essa ideia não saiu da minha cabeça desde que ouvi a sempre maravilhosa mestra Sueli Carneiro na Flup, a Festa Literária das Periferias. Ela falou sobre a necessidade de nos reencantarmos com o mundo – para muito além da nostalgia ou desejo de retorno ao passado, mas a partir da reconstrução ativa diante do desencanto.
Essa visão carrega uma potência imensa, especialmente em tempos de incertezas: ainda há beleza, ainda há caminhos a serem percorridos, ainda há histórias por (re)escrever.
Reencantar, portanto, é recontextualizar o que vivemos e encontrar sentido no que realizamos. Se o encantamento nos inspira pelo deslumbramento, o reencantamento nos fortalece pela persistência. Mesmo quando o mundo parece endurecido, sempre podemos encontrar novas formas de nos reconectar e, a partir daí, transformar.
Em 2024, confesso que em muitos momentos senti o oposto do reencantamento – desilusão. A crise ambiental, os desafios da política, as contradições do uso da tecnologia (que muitas vezes ampliam desigualdades ao invés de reduzi-las) e os tantos preconceitos que ainda persistem me fizeram temer o que vem pela frente. Porém, mesmo nessas horas, algo sempre surgiu no meu caminho para reacender a esperança.
Reencantar não é um estado permanente, mas um movimento constante.
Um exemplo foi o AfroInnova Tech, evento internacional em Quibdó, na Colômbia, do qual tive a honra de participar. Mais do que uma discussão sobre inovação, foi um espaço vibrante para trocas e ideias onde vozes do Sul Global mostraram como as tecnologias podem ser um instrumento de inclusão quando pensadas a partir de perspectivas diversas. Um lembrete poderoso de que o reencantamento com o mundo – e com as próprias tecnologias – é viável.
Não posso deixar de mencionar o Olabi, minha grande fonte diária de reencantamento. Este foi o ano em que a organização completou uma década e reafirmou seu papel de impulsionar a construção coletiva, metamorfosear ideias em ações e conectar pessoas para desenhar novos futuros, futuros em que caibam todas as pessoas.
Teve ainda a quinta edição do festival Códigos Negros, realizado pelo Olabi em parceira com o Instituto Toriba que, ao proporcionar um encontro de vozes, ideias e perspectivas afrodiaspóricas, ressignificou a imaginação radical como um ato de resistência e mudança.
Reencantar, portanto, não é um estado permanente, mas um movimento constante. Acontece no encontro, na troca, na criação. É nesse fluxo, entre o desencanto e o deslumbramento, que descobrimos novas possibilidades de mudança.
Teremos um bom ano pela frente se soubermos cultivar essas brechas, se nos permitirmos continuar imaginando e, acima de tudo, se colocarmos em prática aquilo que pode redefinir a realidade ao nosso redor.
Que 2025 seja uma oportunidade de reencantar nossas jornadas. Feliz ano novo!