Filantropia negra e ações de mudança sistêmica

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Adriana Barbosa 5 minutos de leitura

Redes de apoio para arrecadar recursos e comprar alforrias é o primeiro exemplo que posso citar para começar esse tema. Historicamente, a filantropia negra surgiu da necessidade de auto sustentação e fortalecimento das comunidades negras diante da discriminação racial sistemática.

O termo também remete à busca de doações financeiras, de tempo e de recursos para causas nobres que sempre foram uma parte essencial da narrativa negra, estratégia destinada a fortalecer a comunidade e promover a justiça social.

Nesse âmbito, agir de forma decolonial significa estabelecer novos paradigmas de confiança e democratização dos recursos. A decolonialidade é um conceito que surge no campo dos estudos pós-coloniais e busca questionar e desafiar as estruturas de poder e conhecimento que foram estabelecidos durante o período colonial e que persistem até hoje.

Essa prática propõe uma crítica ao colonialismo e ao eurocentrismo, que são sistemas de dominação e opressão que surgiram durante a expansão colonial europeia. Esses sistemas impuseram uma visão de mundo eurocêntrica, que considera a cultura, o conhecimento e os valores europeus como superiores e universais, enquanto marginaliza e subalterniza outras culturas.

Posso afirmar que é um movimento que busca desafiar as mazelas estruturais impostas durante o período colonial, valorizando as perspectivas e saberes das culturas colonizadas e promovendo a justiça social e a igualdade de oportunidades. Mas, afinal, como é a filantropia negra no Brasil?

INICIATIVA GLOBAL

O Brasil é um país muito reconhecido no exterior por ter uma postura progressista em relação aos direitos humanos, com ações afirmativas para reconhecer o desequilíbrio em relação à equidade de raça em função da Convenção de Durban (África do Sul), em 2001.

Na ocasião, a Assembleia Geral aprovou por consenso a resolução intitulada "Unidos contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância”.

Esse reconhecimento deveria ser creditado também às organizações negras no Brasil que ajudaram a construir políticas de ações afirmativas e atividades de redução da pobreza, sobretudo, as lideradas por mulheres negras, tais como Crioula, Geledés, Ceert, Instituto Feira Preta, entre outras.

O Mês da Filantropia Negra (agosto) é uma movimentação global que acontece há 22 anos para tornar a iniciativa mais poderosa e equitativa. Em média, o mês de celebração mobiliza anualmente cerca de 17 milhões de pessoas em 60 países.

Jacqueline Copeland (Crédito: Divulgação)

A data foi marcada em 2011, quando a antropóloga Jacqueline Copeland iniciou, nos Estados Unidos, esse movimento que dá visibilidade à prática filantrópica de pessoas e negócios negros e à importância da equidade racial no investimento social privado.

No último ano, mais de 100 negócios receberam apoio com recursos financeiros, no formato de investimento subsidiado, ou seja, sem previsão de retorno financeiro à plataforma.

Mais de 80% dos negócios impactados pelas ações da PretaHub, por exemplo, são liderados por mulheres negras. Para isso, foram feitas captações no mercado, aceleração e rodada de negócios com programas de formação e mentorias com especialistas.

Conseguimos, nos últimos anos, aportes que somam mais de R$ 2 milhões, dinheiro injetado diretamente nos negócios. Já

organizações negras no Brasil ajudaram a construir políticas de ações afirmativas e atividades de redução da pobreza.

posso somar uma rede com mais de 10 mil empreendedores do Brasil, além de países africanos como África do Sul e Burkina Faso. Também temos uma rede na Colômbia e na Bolívia.

Viabilizar projetos sociais voltados à população preta nas mais diversas áreas é inovar na ampliação do capital social em que essas entidades têm historicamente aportado para a sua sobrevivência no país.

Em uma agenda filantrópica, isso implica em co-responsabilizar as empresas a partir do lugar de cada ente comprometido ou comprometida com o fim do racismo, não somente pela visibilidade da agenda, mas com doações e captação de recursos destinados à filantropia negra, ou seja, dinheiro para pessoas negras que criam soluções de redução do impacto social e estrutural.

MODELOS DE ATUAÇÃO 

A PretaHub é um ecossistema de impacto social, no campo da economia criativa, criada para promover e apoiar talentos negros em várias áreas da criatividade, como design, moda, arquitetura, turismo, música, cinema, literatura – empreendedorismo criativo, de maneira geral.

O objetivo principal da plataforma é fomentar a economia, a partir da matéria-prima que é a criatividade, nos processos da criação, produção, distribuição e consumo. Criando um ambiente mais favorável para empreendedores, artistas e profissionais negros, oferecendo um espaço onde eles possam criar, produzir e escoar seus produtos e serviços.

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Além de espaço físico, a plataforma oferece programas de formação no campo do empreendedorismo criativo, investimento nos negócios, aproximação dos negócios com médias e grandes empresas (pelo tema cadeia de valor) e estratégia de comunicação para promoção do negócio.

Há ainda uma atuação sistêmica, pois também produz dados e pesquisas para gerar influência no mercado e advocacy nas políticas públicas, fortalecendo o tema de novas economias e novas vozes.

O movimento dá visibilidade à prática filantrópica de pessoas e negócios negros e à importância da equidade racial no investimento social privado.

É uma plataforma importante para fortalecer a inclusão e a representatividade, respeitando a riqueza da diversidade cultural da diáspora africana.

Vejo que faltam aportes nas questões raciais no Brasil. É preciso refletir, pois muitas vezes essas ações de generosidade e filantrópicas permanecem invisíveis e subvalorizadas, sendo apenas uma estatística de impacto.

Há muitas mudanças no setor, nas novas práticas financeiras, em investimentos sociais privados e nas inovações para a arrecadação de recursos de projetos sociais.

A filantropia entre negros é um jeito diferente de olhar para nosso futuro, porque, quando falamos de Ubuntu, todas as pessoas negras avançam juntas, suas vidas melhoram e tudo que as circunda também.

Isso sim é estratégia de ESG, garantia de um legado próspero para a sociedade.


SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais