Identidade e comunicação

Nossa identidade individual é construída a partir de diversas identidades coletivas

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Andrés Bruzzone 3 minutos de leitura

Um dos problemas mais difíceis para a psicologia e a filosofia é a identidade pessoal. Tão complexo que alguns filósofos sérios afirmam que ela não existe, que é apenas um mito.

De início, o que complica é que combina elementos que mudam constantemente com outros permanentes, fixos. Desde o nascimento estamos mudando. A maioria das células do meu corpo não é a mesma e o rosto e o corpo não param de mudar. Como mudam pensamentos e sentimentos: o que, então, garante que continuamos sendo nós mesmos?  Já meu caráter, meu DNA, minha origem serão sempre os mesmos: eles que me definem?  

Não, porque há aspectos que precisam mudar para que eu consiga "me tornar quem eu sou”, como nos diz Nietzsche. Sair de um emprego, encerrar uma relação e começar outra, encarar novos desafios, assumir publicamente uma condição até então oculta. Ser eu mesmo exige compromisso, esforço e coragem. Isso é se fazer responsável por si e pela própria história.

Para complicar as coisas, a identidade pessoal não é linear.

Sou uma metamorfose ambulante, cheio de contradições. Fatos da minha vida não combinam com o que sou ou desejo ser. Não me reconheço em certas ações e não entendo escolhas e atitudes que hoje parecem não fazer sentido. Como dar coerência a esses aspectos discordantes? Como conciliar o homem que sou agora com aquele de 20 ou 30 anos atrás? O mesmo, só que diferente.

A resposta está na narrativa. Contar uma história – a trama, o enredo – capaz de dar coerência ao diverso, ao contraditório e ao que muda constantemente. Essa é a identidade narrativa: o que conto (a mim mesmo e aos outros) sobre quem sou, um conceito criado pelo filósofo francês Paul Ricoeur.

Mas a identidade individual não se basta, ela não se faz sozinha: vem junto a identidade coletiva.

Culturas africanas têm o conceito de ubuntu: eu sou porque os outros são; não existo sem os outros. Assim, a comunicação é essencial para a formação da identidade desde o nascimento. Tornamo-nos humanos em comunicação. Sem os outros, simplesmente não existimos. Somos homo comunicans.

Nossa identidade individual é construída a partir de diversas identidades coletivas. Ser brasileiro, argentino, velejador, filósofo, empreendedor – todos esses conjuntos contribuem para compor esse ser único e irrepetível que sou eu.

Mas é fato que, na narrativa que conto sobre mim, há vozes de outros, palavras e visões que não criei. Entro em uma conversa que existia antes de mim e continuará após a minha partida.

Ser autêntico significa singularizar esses coletivos. É trazer para mim a voz dos outros, e também acrescentar a minha própria voz, minhas palavras, à trama em constante construção. É exercer minha escrita nessa história que é uma identidade narrativa compartilhada.

Pelo seu poder de construir e influenciar identidades, a comunicação ocupa um papel central na disputa política. Historicamente, os meios de comunicação, e hoje as redes sociais, são apontados como responsáveis por (más) escolhas políticas. Se a comunicação nos faz, então estamos todos expostos à manipulação. Como nos proteger?

Um olhar crítico sobre nossa história se faz necessário. Quanto do que pensamos, cremos e defendemos é realmente nosso? Nossas convicções políticas e profissionais, amores, afetos e rejeições – quanto disso não é mera repetição de ideias ouvidas, concepções herdadas ou concessões ao ambiente?

Tornamo-nos humanos em comunicação. Sem os outros, simplesmente não existimos.

Quanto de quem realmente somos cabe na própria jornada? Onde está a nossa caligrafia na escrita da história que é minha identidade?

Ainda: até onde a história que me conto na intimidade coincide com a da minha persona pública? Com esse eu que família, amigos, colegas conhecem?

Em outras palavras: quão autêntica é minha história?

Dizia Sócrates que uma vida não examinada não merece ser vivida. Assim, estas perguntas se fazem indispensáveis, mesmo sabendo que nunca chegaremos a respostas definitivas.

A nossa é e será uma história sempre em aberto. Sem rascunho, escrevemos, riscamos e apagamos constantemente. O resultado, sempre imperfeito e provisório, é o que de fato somos.


SOBRE O AUTOR

Andrés Bruzzone é fundador e CEO da Pyxys, mediatech brasileira que se propõe a reinventar o negócio da mídia com novos modelos de pub... saiba mais