Imaginação como caminho
A curiosidade e a vontade de entender e experimentar novas possibilidades me motivou e até hoje me inspira a olhar para as tecnologias. Me formei em jornalismo no início da década de 10 dos anos 2000 e foi exatamente nesse período que o Brasil - e talvez o mundo - tenha sentido significamente o efeito das tecnologias de informação e comunicação no fazer jornalístico, na construção de narrativas e nas aberturas que essas ferramentas nos trouxeram enquanto sociedade. O surgimento dos blogs, dos fotologs, das redes sociais e da internet como um novo espaço garantiu que pessoas comuns como eu também pudessem criar e expor suas formas de ver o mundo, expor o que era importante para elas e para os grupos que elas pertencem. Se eu tento organizar uma linha do tempo sobre como e quando eu me interessei por esse universo ela começa dessa forma e algumas pessoas foram fundamentais nesse processo.
A observação, reflexão e ação sobre os impactos que as tecnologias vêm causando nas sociedades, sobretudo na sociedade brasileira, têm sido desde então um campo de investigação e experimentação para o meu fazer ativista, para o meu fazer profissional e esses temas cruzados com questões deste tempo e que não necessariamente "nasceram" agora são assuntos que gostaria de dialogar com vocês nesta coluna que vou ocupar. Agradeço desde já a oportunidade de diálogo e desejo que este seja um espaço de colaboração para a criação de perguntas sobre o presente, o futuro e o passado. Talvez seja muita pretensão minha. Mas intenção é fundamental.
Me chamo Sil Bahia, mulher negra sudestina, carioca, ativista dos sonhos e jornalista de formação. Estou à frente de uma organização social chamada Olabi que trabalha pela missão de construir futuros mais inclusivos por meio do estímulo à diversidade no universo das tecnologias e inovação. Durante os últimos 12 anos, venho trabalhando em diferentes frentes e iniciativas que juntam questões sociais e tecnológicas a fim de entender como todas essas mudanças que estamos vivendo com a digitalização dos modos de vida nos impactam e como podemos fazer para que as desigualdades que antecedem o digital não sejam ampliadas por ele.
Longe de ter respostas, penso que construir perguntas é urgente para o tempo que estamos. Quando recebi o convite para ocupar esta coluna mil coisas passaram pela minha cabeça sobre o que escrever, o que trazer. É a minha primeira vez como colunista. Decidi fazer um texto de apresentação, um texto de abertura e expor algumas inquietações. Faz um tempo que eu, assim como outros pesquisadores, principalmente do campo da sociedade civil, construimos perguntas, hipóteses e sugestões que apontam para a ampliação das desigualdades com a digitalização da vida. Lembro que em 2018, no âmbito do projeto PretaLab - que coordeno no Olabi - fizemos um encontro chamado "Mulheres negras pautando o futuro", que trazia para o centro da discussão direitos humanos e tecnologia. Parece óbvio falar sobre isso hoje mas, naquele tempo, não era. E foi muito importante trazer esse "elefante para sala", para que pudéssemos refletir sobre esses dois mundos - que naquele momento pareciam não dialogar tanto.
Hoje, vendo como a Inteligência Artificial e seu uso estão presentes nas nossas escolhas e decisões, penso: quem será que tem respostas para nossas angústias sobre futuro e presente em relação a essa novidade? Existem respostas únicas? Quando falamos em IA, precisamos ter em vista algumas dificuldades que surgem ao lidar com questões sociais, uma vez que ela é treinada para reconhecer padrões que frequentemente geram exclusão. Os dados utilizados, muitas vezes, são reflexos de um passado opressor, carregados de preconceitos raciais, de gênero e de classe. Em sociedades com problemas estruturais como o Brasil isso me parece assustador. Sempre penso que assim como não voltaremos para o armário, não voltaremos para o analógico, pois o digital é uma realidade que ajuda a construir uma certeza de futuro: o uso cada vez mais ampliado das tecnologias digitais.
E eu não quero ficar apenas nos riscos e nos impactos ruins desse processo tecnológico. Recentemente ouvi de uma amiga: as notícias ruins geram engajamento, mas inspiração positiva também pode ser tão potente quanto. Por isso, é fundamental considerar que a Inteligência Artificial pode colaborar para a transformação da sociedade pautada pela justiça social. Nesse sentido, creio que o caminho da imaginação seja relevante. Como poderia ser se, ao invés de preterir pessoas pela cor de pele, gênero ou classe social, as IAs contribuíssem para a reparação e manutenção do bem-viver desses grupos? É necessário imaginar, porque esse não é o tipo de pergunta que temos respostas rápidas. É uma pergunta para refletir. E esse é o convite: bora imaginar futuros?