Integrando sabedoria ancestral, tecnologia e consciência nos negócios

Queremos criar ambientes seguros, que incorporem a vulnerabilidade como elemento essencial para o crescimento e a transformação das organizações

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Pri Bertucci 11 minutos de leitura

Em um mundo onde gênero, tecnologia e consciência se entrelaçam e evoluem em ritmo acelerado, a busca por compreender e aplicar sabedorias ancestrais e contemporâneas torna-se não apenas um chamado, mas uma missão essencial.

Como técnice do sagrado, sou convocade a explorar e integrar os reinos do gênero, da sexualidade, da polaridade, da linguagem e da tecnologia. Minha missão é construir um arcabouço coeso que nos transporte para novas perspectivas e formas de ver o mundo.

Mais do que uma abordagem sobre a não binariedade como identidade de gênero, estou em busca de decifrar mistérios ocultos e resgatar uma sabedoria que transcende gerações.

Minha jornada no campo da diversidade, unida a uma conexão profunda com minha intuição, me capacita a traduzir para o mundo as interações sutis entre os arquétipos do masculino e do feminino, criando pontes que ultrapassam os limites do que conhecemos.

Nas próximas colunas, iniciarei uma série de conversas preciosas, trocas e reflexões com pessoas que vêm se destacando nesse novo cenário, onde as fronteiras entre o humano e o tecnológico, o antigo e o emergente, o masculino e o feminino, começam a se fundir.

Juntes, iremos adentrar os contornos desse novo mundo, onde a unificação e a interseção de tudo isso prometem redesenhar o entendimento de nossas relações e dos nosso negócios. 

Para ilustrar essa primeira parte de reflexões, gostaria de começar explorando como essas diversas dimensões impactam o mundo dos negócios. Tive uma conversa reveladora com Sean Clayton, CEO da Myosin Marketing e um dos grandes pensadores da atualidade. Ele traz uma perspectiva inovadora sobre o impacto da diversidade e inclusão na era da inteligência artificial e das tecnologias emergentes.

A seguir, apresento trechos dessa conversa, onde exploramos como a exclusão de pessoas negras, pardas e trans da mesa de inovação reflete um ciclo histórico de falta de capitalização nas comunidades diversas.

Nosso objetivo é criar ambientes verdadeiramente seguros, que incorporem a vulnerabilidade como elemento essencial para o crescimento e a transformação das organizações.

Sean Clayton (Crédito: Divulgação)

Com mais de duas décadas de experiência na indústria, Sean Clayton é sócio-fundador da Myosin Marketing, uma aceleradora de marketing full service guiada por uma profunda crença no poder do crescimento consciente. Ele liderou a Myosin na gestão de mais de US$ 100 milhões em mídia, trabalhando com marcas globais e causas de impacto social.

Sua liderança também se estende a iniciativas como Gotham Lab, Myosin XYZ e Science of Abundance, onde ele integra coaching espiritual com estratégias de negócios.

A abordagem holística de Clayton é moldada por sua jornada pessoal de superação de desafios, tornando-o um líder visionário que conecta propósito e resultados para criar transformações duradouras nos negócios e na vida.

Pri Bertucci – Por que você acha que existe tanto medo de nomear e reconhecer as forças mais profundas por trás da inovação, como a interseção entre ciência, geometria sagrada e conhecimento ancestral? O que você acredita que impede as pessoas de integrarem esses elementos nas discussões convencionais sobre tecnologia e progresso?

Sean Clayton – O mundo corporativo e empresarial é muito linear em sua forma de pensar, certo? Mas o mundo não se move de forma linear. Nós, como pessoas, não somos linhas retas. O amor não é uma linha reta. Relacionamentos não são lineares.

E, ainda assim, sentimos que precisamos criar todo esse processo de cadeia de suprimentos e essa maneira linear de pensar e de raciocínio lógico, onde A mais B sempre tem que ser igual a C. No mundo dos negócios, o que fizemos foi que aquelas pessoas que realmente têm sucesso são as que escapam desse ciclo.

Há esses momentos grandiosos em que o setor público e o setor privado se unem, quando os aspectos da dualidade, que geralmente não se comunicam entre si, começam a se encontrar – como na reindustrialização ou em grandes mudanças que eu chamo de "saltos de revolução quântica" nos negócios.

A história do feminino nunca foi contada de forma plena. Há inúmeras batalhas para suprimir a narrativa feminina.

Isso aconteceu na Segunda Guerra Mundial. Aconteceu, mais recentemente, quando a internet começou a convergir e o setor público e privado começaram a se intersectar. E agora estamos novamente à beira disso com IA, blockchain, como as mídias sociais estão sendo evangelizadas, e até mesmo conceitos sobre o que é a defesa cognitiva.

De onde vem a minha informação? Como definir a verdade? Não há uma maneira linear de abordar isso, porque se eu tentar abordar, por exemplo, o conceito de desinformação, de onde ela vem? A desinformação não vem das notícias. Alguém contou as notícias. Quem contou a essa pessoa que contou as notícias?

Todo esse conceito de como a informação flui tem que vir de uma linha não reta, porque não há como mapear de onde ela vem. Ela vem de vários ângulos diferentes. Então, para nos afastarmos desse quadro linear, temos que começar a pensar no que eu chamo de práticas de negócios quânticos.

Essas práticas, se você pegar conceitos da mecânica quântica e da física quântica, mostram que as coisas existem em superposição. Tudo pode ter uma possibilidade. Não é apenas uma maneira; são todas as maneiras. Quando eu olho através dessa lente, escolho a que melhor se adapta ao ambiente em que estou, e não a que se adapta ao ambiente em que eu não estava.

Além disso, dentro da física quântica temos conceitos como super simetria. Tudo é simétrico. Onde houve um momento no tempo dentro do meu negócio que eu chamaria de ponto zero, certo, como aquele ponto de incepção? E então, tudo antes e depois desse ponto é um reflexo um do outro.

Se eu olhar para isso como um reflexo, começo a construir momentum a partir da sabedoria do meu passado para criar um futuro mais sólido, sem me perder na lógica do passado. Eu pego o passado e o torno mágico. Uma maneira de fazer isso é através do entendimento coletivo, dando a mais pessoas um lugar à mesa.

Pri Bertucci Diversidade e inclusão se tornaram temas centrais nos últimos anos, mas recentemente algumas empresas começaram a dizer “não vamos mais investir em DEI&P (diversidade, equidade, inclusão & pertencimento). Vamos redirecionar o orçamento e focar em IA e outras prioridades.” O que você acha que precisa ser feito para equilibrar esse pêndulo, especialmente quando falamos sobre moldar a tecnologia e a IA? Porque vemos que muitas pessoas como nós estão sendo excluídas dessa conversa. Como você vê o pêndulo se movendo nessa direção?

Sean Clayton Existe um “complexo de salvador” que surge quando novas tecnologias aparecem. O que acontece é que, historicamente, como houve uma falta de capitalização dentro das comunidades diversas, o lugar à mesa da inovação acaba ficando nas mãos de quem possui o capital.

Assim, eles estão muito à frente e têm a capacidade de constantemente infundir sua cultura, seus sistemas e seus padrões de pensamento. Isso cria um espaço seguro para eles.

Só que esse espaço seguro não é realmente seguro; é mais um mecanismo de proteção. Porque segurança é vulnerabilidade. Esse espaço não cria interseções vulneráveis para que essa tecnologia cresça. Cria-se um mecanismo de proteção, que é quase como uma defesa contra qualquer outra pessoa que queira ter um lugar à mesa.

Então, iniciativas como diversidade e inclusão acabam sendo empurradas para baixo, porque agora há uma racionalização para correr atrás do “maior objetivo”. Os lugares à mesa que existiam, desaparecem. Mesmo que fossem apenas dois – como, por exemplo, pessoas que não investiriam em um conselho se não houvesse ao menos uma mulher e uma pessoa de minoria.

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Agora, isso já não é mais uma prioridade e se diz “precisamos desses inovadores para capturar esse novo mercado.” Isso recria e propaga um ciclo de privilégio branco. Não é um mecanismo de segurança; é um mecanismo de defesa.

Para resolver essas questões, é preciso, primeiro, criar ambientes verdadeiramente seguros para que, não importa quem você seja – seja branco, negro, pardo, transgênero, qualquer que seja a sua sexualidade –, você tenha um espaço seguro para ser vulnerável.

Isso requer que, não importa quem seja o líder de uma organização, ele esteja constantemente em sintonia consigo mesmo, não apenas "praticando o que prega", mas construindo uma prática que se manifeste no mundo em tudo o que faz.

Assim, conseguimos criar espaços que acolham as pessoas em sua totalidade e não se baseiem no medo. Porque, no final, se eu posso ser meu eu completo, então haverá mais espaço para a autenticidade e menos para as defesas que limitam o potencial humano e empresarial.

Pri Bertucci A forma feminina de fazer negócios é justamente integrar o masculino e o feminino no ambiente corporativo, certo? Mas como podemos incentivar líderes a abraçar esse lado feminino?

Sean Clayton Exatamente. Estamos na era da feminilidade. Se olharmos para qualquer filme que faz sucesso hoje em dia, como "Pantera Negra", vemos como essa nova narrativa está se transformando e se expandindo.

O problema é que muitos dos sistemas que utilizamos – sejam livros sagrados, como a Bíblia, a Torá, o Alcorão, ou até mesmo tradições orientais – foram construídos dentro de uma estrutura patriarcal. Se até o que consideramos intangível e espiritual se apresenta sob essa perspectiva, não é de se surpreender que isso se estenda a tudo o que fazemos no mundo corporativo.

A história do feminino nunca foi contada de forma plena. Transformaram Maria Madalena em uma prostituta, por exemplo. Há inúmeras batalhas para suprimir a narrativa feminina, e ninguém sabe a história da esposa etíope de Moisés.

A liderança deve se concentrar em construir uma prática consistente que se manifeste no mundo em tudo o que faz.

Essa invisibilização reflete o quanto é difícil entender o que é caminhar no mundo como um feminino incorporado, um feminino autêntico e verdadeiro. Se essa história não foi escrita, como podemos esperar incorporá-la em nossa realidade?

Agora, no entanto, essa história está começando a ganhar força. Um ótimo exemplo é a eleição nos EUA, onde temos figuras como Trump, que representa um masculino exagerado e desequilibrado, e Kamala Harris, que traz uma energia feminina que está lutando para se estabelecer nesse contexto.

O rumo dos EUA, e de muitas organizações, será determinado por como avançaremos nessa escolha entre o masculino patriarcal e o feminino mais consciente.

Pri Bertucci – O que você recomendaria para um líder que deseja equilibrar essas energias em sua organização?

Sean Clayton Eu diria que qualquer líder de uma organização que queira fazer ajustes na maneira como se apresenta no mundo deve ter um curso sobre como é incorporar o feminino de forma consciente.

Não é algo exclusivo para mulheres. Pode ser um homem, uma mulher ou uma pessoa não-binária que compreenda e viva essa energia. A chave é deixar de "forçar e tomar" para "dar e receber".

Esses valores de dar e receber, de equilíbrio e aceitação, criam um ambiente seguro e acolhedor.

Os valores essenciais dentro de uma empresa deveriam refletir essa dinâmica. Por exemplo: “somos verdadeiros receptores e doadores da informação que flui através de nós.” Isso deve ser um valor central, observado em todas as decisões da companhia.

Precisamos refletir constantemente se estamos forçando nossa agenda (um comportamento masculino desequilibrado) ou tirando algo dos outros (um feminino desequilibrado). Quando esses comportamentos se manifestam, significa que a empresa está fora de equilíbrio, e isso afeta todo o sistema.

Pri Bertucci Você poderia dar um exemplo de como identificar esse desequilíbrio dentro de uma organização?

Sean Clayton Se você está forçando suas decisões ou tomando algo sem dar em troca, está desalinhado com a dinâmica de dar e receber. Um líder que consegue identificar esses padrões e buscar o equilíbrio entre dar e receber começa a construir um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, que respeita a totalidade dos indivíduos e valoriza suas contribuições de forma mais harmoniosa.

A liderança deve se concentrar em não apenas praticar o que prega, mas também construir uma prática consistente que se manifeste no mundo em tudo o que faz.

Esses valores de dar e receber, de equilíbrio e aceitação, criam um ambiente seguro e acolhedor, permitindo que todos possam ser suas versões mais autênticas e plenas. Isso se reflete em decisões melhores, em ambientes de trabalho mais colaborativos e, finalmente, em um impacto positivo no desempenho e nos resultados da organização.

Esses diálogos são fundamentais para transformar o ambiente corporativo e trazer o feminino para o centro das organizações, criando assim um novo paradigma de liderança e colaboração.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Artista social, pós-ativista educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas, identifica-se como pessoa não... saiba mais