Julho passou, mas o que ele convoca permanece
Já estamos em agosto. Mas julho ainda reverbera.

Há meses que não se encerram no calendário. Permanecem porque nos afetam de maneira profunda, simbólica, coletiva. Julho é um desses meses. É quando o ano dobra a esquina, o semestre muda e, para muitas de nós, a história nos convoca de forma mais direta a lembrar, afirmar e imaginar.
É o mês de Tereza de Benguela, mulher negra que liderou, com coragem e inteligência, um quilombo inteiro. É o mês das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, que seguem tecendo estratégias de vida diante das ausências e violências de sempre. É, como o Instituto Odara tão bem instituiu, o Julho das Pretas: tempo de visibilidade, escuta, mobilização, afirmação.
Julho é quando chamamos atenção para tudo o que celebramos, denunciamos, propomos e reivindicamos ao longo da vida e da história. Quando, mesmo diante do cansaço, reafirmamos a potência de existir juntas e em movimento. Um tempo em que nossa presença ganha volume e lembramos que ocupar espaços sendo quem somos ainda é,para muitas, um ato de coragem.
Também é, para mim, um tempo íntimo. Julho é o mês do meu aniversário. E, talvez por isso, sempre me convoque a fazer balanços e projetar recomeços. A olhar para o que passou sem nostalgia, mas com intenção. A seguir, com ainda mais intencionalidade, no que está por vir. Reforçar o compromisso com o que quero ajudar a construir e com quemdesejo construir junto.
Nesse julho que passou também nos despedimos de Preta Gil. Ela partiu, mas fica. Fica a arte, o afeto, a irreverência, o enfrentamento feito com delicadeza. Fica a lembrança de uma mulher que viveu com liberdade radical e nos ensinou a ocupar os espaços com dignidade, sem pedir licença, sem abrir mão de quem somos. Mais uma entre tantas que deixaram um legado vivo.
Julho, então, é tudo isso: memória, futuro, reparação, projeto, reconstrução, reencantamento
Julho, então, é tudo isso: memória, futuro, reparação, projeto, reconstrução, reencantamento. E a certeza de que tudo isso precisa se manter vivo todos os meses, ano após ano.
Julho me fez lembrar, mais uma vez, do valor da memória. Do quanto ela é essencial para que a gente consiga, de fato, seguir em frente. Não como algo fixo ou paralisante, mas como ferramenta viva de aprendizado, reconhecimento e afirmação.
Talvez por isso a gente insista tanto em contar nossas próprias histórias. Porque quando somos nós que nomeamos, escolhemos o que fica, o que precisa mudar e o que pode florescer.
Foi com esse desejo de contar por outras lentes que criamos, no Olabi, o projeto Códigos Negros. Um espaço onde cultura, arte e tecnologia se encontram para fortalecer narrativas negras. Porque lembrar também é criar. E cada memória contada com voz própria abre caminho para futuros mais amplos, mais justos, mais possíveis.
Julho terminou, mas o que ele convoca permanece. A presença negra continua sendo invisibilizada em muitos espaços da sociedade – museus, centros de inovação, lugares de decisão e tantos outros. Mas essa presença também é semente. E quando se reconhece como tal, tem poder de germinar mundos novos.
Julho nos lembra que o tempo não é só cronológico: é político, simbólico, ancestral. E há memórias que não cabem em um mês apenas. Pedem continuidade, cuidado, intenção. Porque o que está em jogo não é só lembrar o que passou, mas escolher o que fazer com esse passado. Que histórias queremos manter vivas? Que presenças precisamos afirmar? Que futuros estamos dispostas a sustentar?
A travessia segue. Que agosto nos encontre comprometidas com o que julho acendeu: a necessidade de presença, a força da coletividade e a urgência de imaginar, juntas, o que ainda pode ser.
