Liberdade para imaginar, imaginação para libertar
Imaginar pode parecer algo simples e corriqueiro, mas a verdade é que tem sido um privilégio reservado a poucas pessoas. A população negra – embora guardiã de uma história rica em imaginação, criatividade e inovação – vem sendo historicamente impedida de vislumbrar futuros devido às inúmeras barreiras impostas pela branquitude.
Temos como imaginar o amanhã quando o presente ainda é atravessado por tanta desigualdade? É possível sonhar com o que desejamos quando mal temos acesso ao básico?
Mais do que possível, imaginar é necessário. Ouso dizer: a imaginação é uma arma radical para combater a opressão e mudar a realidade que nos cerca. É por meio dela que nos livramos dos grilhões que nos prendem ao passado e nos permitimos conceber novas possibilidades.
Vamos lá, imagine.
Imagine uma sociedade na qual as lideranças sejam tão diversas quanto o povo que representam. Um lugar em que possamos ver mais e mais mulheres negras em espaços de poder, com poder – ocupando, inclusive, a presidência da República. Onde a tecnologia, em vez de reforçar vieses e preconceitos, seja uma ferramenta de equidade.
Eu sou uma ativista dos sonhos. Gosto de me apresentar assim, porque acredito que é a nossa capacidade de sonhar que transforma as realidades. O meu sonho é o mesmo de Martin Luther King, de Dandara dos Palmares, de Lélia González, de Sueli Carneiro, de Leda Maria Martins, de Marielle Franco e de tantas outras: imaginamos futuros que não repitam passados de dor e injustiça.
Como seria se todas as pessoas tivessem o direito de sonhar sem limites? Se pudéssemos, coletivamente, imaginar e criar uma sociedade onde a cor da pele não determinasse oportunidades e destinos? Como seriam nossas cidades, nossas relações, nossas inovações?
Muito mais do que simples exercícios retóricos, essas perguntas são convites para expandir nosso repertório coletivo. Pois é aí que reside a potência de encontrar realidades alternativas, de desafiar as estruturas opressivas e de arquitetar um futuro no qual a diversidade seja celebrada, não apenas tolerada.
Precisamos reunir nossas histórias e memórias para ampliar referências, especialmente a partir das narrativas afro-diaspóricas e do sul global, para sermos capazes de enxergar e criar para além das limitações que nos são impostas.
A liberdade de imaginar é o primeiro passo para sermos livres de fato.
Foi por isso que idealizamos, no Olabi, o Códigos Negros. O festival é um ponto de encontro anual onde nós, sonhadoras e sonhadores, podemos dar asas a tudo isso.
Para a quinta edição, convidamos pensadores, artistas e ativistas de várias partes do mundo para abordar o poder da imaginação radical negra – conceito que, para além dos sonhos individuais, representa uma força criativa coletiva capaz de mudar vidas, sistemas e realidades.
Aliás, essa imaginação é muito mais que um conceito. Trata-se de um direito, um recurso compartilhado, uma força que nos leva a lugares que, sozinhos, talvez jamais conseguíssemos vislumbrar. Cada ideia expressa e cada pergunta feita amplia nosso imaginário comum – que se torna cada vez mais apto a pautar o futuro que queremos.
Imagine, imagine mais.
Como podemos, como sociedade, repensar nossas próprias estruturas? Como desenhar políticas públicas que sejam movidas por essa imaginação radical, que enxerguem e enfrentem o racismo estrutural e promovam justiça histórica?
Quando nos permitimos vislumbrar futuros livres de preconceitos e injustiças, nos damos a chance de questionar ideias profundamente enraizadas e de imaginar novas economias, novas políticas de acesso à educação, saúde e moradia, novos modelos de desenvolvimento tecnológico que coloquem a equidade, a diversidade e a inclusão no centro de tudo.
Ao imaginar a partir do sul e da cultura negra, rompemos com a ideia de que a tecnologia e a inovação são prerrogativas de uma elite branca e eurocentrada.
Imagine uma sociedade na qual as lideranças sejam tão diversas quanto o povo que representam.
A liberdade de imaginar é o primeiro passo para sermos livres de fato; e, ao imaginar, expandimos as fronteiras que tentam nos limitar. A imaginação é, portanto, um direito que precisamos reivindicar e expandir.
Convido a todas e todos a se juntarem a nós no Códigos Negros. Neste sábado, dia 9 de novembro, no Museu do Amanhã e no Rato Branko, no Rio de Janeiro, sob o tema "A imaginação como tecnologia e a tecnologia para a imaginação", vamos mergulhar nesse mar de ideias e possibilidades, fazer perguntas, compartilhar desafios e, juntos, ampliar o repertório que pode e vai transformar o futuro.
Como disse uma vez a grande pensadora e imaginadora negra Toni Morrison, “se há um livro que você quer ler, mas ele ainda não foi escrito, então você deve escrevê-lo”. Que escrevamos, então, esse novo capítulo da nossa história – pautado pela imaginação e pela determinação de mudar tudo o que nos impede e de ser plenamente quem queremos ser.