Mulheres negras, latino-americanas e tecnológicas

Este texto é uma homenagem às mulheres negras, latino-americanas e caribenhas

Crédito: Fast Company Brasil

Silvana Bahia 4 minutos de leitura

Em 1987, Lélia Gonzalez participou de dois encontros marcantes com mulheres latino-americanas. Na Cidade do Panamá e em La Paz ela conheceu mulheres dispostas a enfrentar juntas os desafios de serem quem são em sociedades tão marcadas pelas violências causadas pelo machismo e pelo racismo. 

Lélia conta em um de seus textos que saiu profundamente transformada desses encontros porque, ali, ela entendeu a potência de ser uma mulher negra latino-americana – uma amefricana

Amefricanidade é um termo de Lélia utilizado no movimento das mulheres negras que diz muito sobre a herança africana no nosso modo de ser e pensar o mundo, a política, o cuidado, o amor e também as tecnologias. 

É isso que venho tentando fazer aqui nesta coluna onde, no mês de julho, comemorei um ano como colaboradora. Não é à toa. Julho é o mês das mulheres negras latino-americanas e caribenhas.

A data marca o encontro político entre mulheres negras que aconteceu em 1992, em Santo Domingo, poucos anos antes da morte de Lélia, que certamente influenciou o pensamento de tantas de nós – mulheres em diáspora em uma América Latina em disputa.

Desde o fim de junho, o Sesc Vila Mariana, em São Paulo, está recebendo a exposição Lélia em Nós: festas populares e amefricanidade. É uma oportunidade e tanto para conhecer mais o trabalho de uma das maiores intelectuais brasileiras. Com Lélia me inspiro, tomo fôlego e vou em busca de uma identidade marcada por muita esperança e luta.

Leia Lélia (2020-2021) – André Vargas (Crédito: Gabriel Zimbardi/ Galeria Vermelho)

No ano passado, estive no Uruguai a convite das mulheres Mizangas. A iniciativa fundada em 2006 é um coletivo de mulheres afrodescendentes uruguaias e de outros países da América Latina que, juntas, têm lutado contra o racismo e o sexismo, promovendo a inclusão e a valorização das mulheres negras (cis e trans) na política.

O convite era para facilitar uma imersão do coletivo para o fortalecimento e criação de estratégias de comunicação. Tive a oportunidade de levar comigo a minha parceira de Olabi e de tantas outras empreitadas, a psicóloga Mônica Santana.

Durante 10 dias, no meio do inverno uruguaio, fui aquecida pelas atividades e histórias das Mizangas, que inclui um projeto educativo que integra a história e a cultura afrodescendente no currículo escolar e programas de etnoeducação que promovem a identidade afro desde a primeira infância.

Além disso, o coletivo participa ativamente de diferentes instâncias políticas, defendendo a interseccionalidade como ferramenta essencial para combater o racismo e outras formas de opressão.

Relato sobre minha viagem ao Uruguai com o Coletivo Mizangas (Crédito: Reprodução/ Instagram)

Naturalmente, identifiquei as nuances que nos aproximam, os projetos emplacados pela luta do movimento negro brasileiro, a união de mulheres negras por mais participação política e nosso protagonismo no fortalecimento da democracia. O que me fez lembrar das minhas companheiras do Movimento Mulheres Negras Decidem

Foi no começo de 2018, em um programa do Olabi em parceria com a Transparência Brasil e o data labe chamado Minas de Dados, que esse movimento nasceu, fortalecido pela revolta com a partida de Marielle Franco, fatalmente assassinada no dia da celebração final do projeto. Hoje somos muitas, espalhadas por todo o território nacional, pautando um debate político urgente: o dos direitos fundamentais das mulheres.

A série #ParaOndeVamos apresenta o movimento de mulheres negras no Brasil a partir da história de ativistas que estão liderando verdadeiras revoluções no modo de fazer e pensar políticas públicas no país, dando continuidade ao legado de Marielle.

Parte dessas iniciativas está na recém lançada segunda edição do livro "A radical imaginação política das mulheres latino-americanas", de autoria das companheiras Ana Carolina Lourenço e Anielle Franco.

Os textos, todos de autoras femininas e negras, oferecem caminhos possíveis para democracias frágeis. Conversei com Ana e ela prometeu uma agenda animada de lançamentos para o segundo semestre.

No ano passado também estive na Colômbia, acompanhada de mulheres amefricanas, de pensamento radical sobre política, cuidado e transformação social e tecnológica. Uma delas é Paula Moreno, que me recebeu e acompanhou durante uma viagem inesquecível pelo Pacífico colombiano e pela realidade tão complexa de nossos vizinhos.

Relato sobre minha viagem à Colômbia (Crédito: Reprodução/ Instagram)

Paula é a fundadora da Manos Visibles, uma rede de lideranças e organizações de vanguarda que trabalha para reduzir as desigualdades educativas, tecnológicas e culturais na Colômbia, com uma perspectiva étnica e territorial. 

Um dos programas que mais me chamou a atenção foi o Valle del Naidí, que visa criar um ecossistema de inovação no Pacífico colombiano, oferecendo treinamento em robótica, automação residencial e programação para jovens líderes. E claro que me inspirou muito o Naidí Girls, o primeiro programa de capacitação STEAM para meninas e jovens afrodescendentes em Medellín.

    Assim como Lélia Gonzalez, lá em 1987, celebro e aprendo com as mulheres amefricanas. Me abro para a América Latina e desafio nossos movimentos sociais, políticos e tecnológicos a fazerem o mesmo. Unidas encontraremos um comum que às vezes parece perdido e conquistaremos vidas mais dignas e felizes. 

    Boa sorte, mulheres!


    SOBRE A AUTORA

    Sil Bahia é uma profissional nas áreas de tecnologia, inovação e inclusão social. Como codiretora executiva do Olabi e coordenadora do... saiba mais