Não há nada de neutro na linguagem inclusiva

Prestar atenção aos termos que usamos ao falar, escrever e nos comunicar é um processo ativo e intencional, até se tornar habitual e inconsciente 


LG Lo-Buono 6 minutos de leitura

Chegamos em junho! O Mês do Orgulho LGBTQIA+ em vários países do mundo, incluindo o Brasil. Se este período de 30 dias funciona para problematizar o oportunismo de tantas empresas sobre a pauta (que rende e vale cada meme!), ele seguirá servindo, principalmente, a seu propósito original: a celebração de ser quem se é e lutar pelo que se tem direito.

A proposta desse conjunto de letras com um “+” no final não é ser, definitivamente, um trava-línguas para servir aos tais memes. O que está por trás de uma sigla viva, com mais de 12 variações de gênero, identidades e expressões de gênero e sexualidades (até o momento), é a busca de uma solução gráfica para a questão central dos movimentos ativistas LGBTQIA+: incluir. E, dentre as várias frentes dessa luta por direitos, o uso da linguagem inclusiva tem despontado com força bastante tática.

Afinal, falar de inclusão é falar majoritariamente sobre garantir mecanismos práticos de equidade para pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgênero e outras identidades em seus direitos e acessos ao mercado de trabalho, salários justos, saúde pública, segurança física e psicológica, etc.

E é, também, falar sobre como a nossa língua e a forma como nos comunicamos exclui a própria existência de algumas dessas pessoas. Se a linguagem molda o pensamento (e é moldada por ele), quais escolhas linguísticas temos feito para evoluir nossa forma de pensar e perceber o mundo?

Explico.

A linguagem inclusiva é um conjunto de sistemas, com propostas distintas de soluções, que se origina dos

Falar de inclusão é sobre garantir mecanismos práticos de equidade para pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgênero e outras identidades.

movimentos LGBTQIA+ e movimentos feministas. Não é algo particularmente recente, apesar de – como tantos outros debates, ainda bem! – estarmos acompanhando esse papo com mais ênfase nos últimos anos. Sua demanda central é, claro, incluir mais e melhor todas as identidades no discurso falado e escrito.

Quando optamos por abrir uma reunião dizendo “bem-vindas e bem-vindos” em vez da generalização tradicionalmente flexionada no masculino “bem-vindos”, estamos buscando incluir (ao menos na linguagem) as mulheres e pessoas que se identificam com o gênero feminino naquela abertura.

Quando optamos por escrever um e-mail para toda a empresa usando frases como “olá a todes, todas e todos”, estamos buscando incluir pessoas que não apenas se identificam com os gêneros feminino e masculino, mas aquelas que não se identificam com nenhum destes (pessoas não-binárias) ou com ambos.

Quando optamos por substantivos sem gênero marcado, como “a pessoa” ao invés de “o colega”, “a humanidade” ao invés de “o homem”, “as lideranças” ao invés de “os líderes”, estamos buscando incluir todo mundo!

Para te ajudar nessa jornada, divido algumas estratégias de como aplicar a linguagem inclusiva falada ou escrita:

1 . Use nomes e substantivos genéricos, sem demarcação de gênero usualmente masculina

“A diretoria”, ao invés de “os diretores”.

“O corpo docente”, ao invés de “os professores”.

“O país/o Brasil/a população/a sociedade brasileira”, ao invés “os brasileiros”.

“A clientela”, ao invés de “os clientes”.

2 . Use os substantivos “pessoa” e “pessoas” como alternativa a outros de gênero usualmente masculino

“As pessoas candidatas”, ao invés de “os candidatos”.

“As pessoas adoraram a proposta”, ao invés de “Os caras adoraram a proposta”.

“Buscamos pessoas interessadas em…”, ao invés de “Buscamos interessados em…”

3 . Inclua todos os gêneros em suas frases

“Bom dia a todas, todos e todes!”, ao invés de “bom dia a todos”.

“Aquelas e aqueles que quiserem se aplicar…”, ao invés de “aqueles que quiserem se aplicar…”

“Os jovens e as jovens aqui presentes…”, ao invés de “os jovens aqui presentes…”

O uso de substantivos e adjetivos terminados em “e/es” busca incluir pessoas não-binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o gênero feminino) e/ ou que se identificam com ambos.

4 . Atente-se aos pronomes

Se você se identifica com o gênero masculino, tenho certeza que te causa estranheza (para ser simplista) quando alguém fala sobre você usando pronomes como “ela” ou “dela”. (Ah! Isso não acontece nunca? Interessante...)

Assim como você, outras pessoas também se identificam com outros gêneros (ou nenhum).

Homens ou pessoas que se identificam com o gênero masculino se valem dos pronomes ele/ dele.

Mulheres ou pessoas que se identificam com o gênero feminino se valem dos pronomes ela/ dela.

Pessoas não-binárias (ou seja, que não se identificam com o binarismo masculino/ feminino) se valem de pronomes como ile/ dile ou elu/ delu – para citar algumas soluções propostas.

Quando optamos por substantivos sem gênero marcado, estamos buscando incluir todo mundo.

Os pronomes ile/ dile são uma solução para a língua portuguesa criada em 2015 por Andrea Zanella e Pri Bertucci. “A comunicação inclusiva é um possível instrumento de transformação social para além da binariedade e polarização social que enfrentamos nesse momento da história.”, diz Pri Bertucci.

As estratégias acima são apenas alguns exemplos possíveis para uma linguagem mais inclusiva, falada ou escrita. É importante que você também considere aspectos para além da receita-de-bolo de “o que pode e o que não pode”:

  • Brinque com as soluções. Sabemos que a fluidez de um discurso ou de um texto pode soar estranha quando, por exemplo, alteramos a todo tempo os adjetivos para incluir as flexibilizações de gênero. Então, faça isso algumas vezes – nas demais, use outra estratégia! Não há apenas uma regra válida, há muitas formas de incluir.
  • Se você não é fluente em algum idioma, talvez pareça esquisito falar pela primeira vez. Pode sentir vergonha ou insegurança. Até que… comece a falar! O mesmo vale para uma linguagem mais inclusiva, e não tem outro jeito: pratique. Teste em sua próxima reunião, num próximo e-mail, numa próxima conversa com amigues. E depois de novo, de novo… 
  • Influencie as pessoas ao seu redor. Se ninguém na sua equipe se liga em usar uma linguagem mais inclusiva, então provavelmente todo mundo vai continuar sem se ligar! Por que mesmo você vai esperar outra pessoa fazer primeiro?

No fim, o mais importante: uma linguagem inclusiva não é a solução final para a lgbtfobia, o machismo e a misoginia. Passar a usar “todes” em suas mensagens não necessariamente te tornou alguém imediatamente não-machista. Mas pode ter demonstrado sua intencionalidade em ser mais inclusivo ou inclusiva, ainda que em sua comunicação.

Por isso, a linguagem inclusiva não tem nada de neutra. Atentar-se a como falamos e escrevemos é um processo ativo e intencional, até que se torne habitual e inconsciente. 

Aprender e aplicar formas de incluir todas as identidades de gênero e sexualidades em nosso discurso é um dos caminhos, dentre tantos que seguimos em paralelo, para seguirmos celebrando o orgulho de ser quem se é – em junho, julho, agosto, setembro…


SOBRE O AUTOR

‘LG’ Lo-Buono é especialista em DE&I para organizações, fundador e diretor da consultoria Pulsos. Trabalha com marcas como Meta, J... saiba mais